Poemas de Radovan Ivsic
SILÊNCIO
I
Eles crescem e desaparecem
os anéis da memória
ele é calmo
o lago do mundo
tu és muda e profunda
sozinha
tu és o coração do mundo
nu.
II
Mesmo que os seios sejam flores fugitivas
tuas coxas de relva acalentam minha
mão
e os beijos são lentos como a
claridade
lentos
esqueço o peso e o penar
o penar das flores já
distanciadas
para se beijarem
e meus dedos se desfolham sobre
teus ombros
como se o vento semeasse e morro
de ternura
por toda parte
e de novo minha mão escorre sobre
teu corpo claro
sobre os pomos
que acaricio com meu olho
nu
III
Moças moças serei
tão alegre
BRIONI
Para Annie
Os cervos são borboletas
as borboletas são peixes
os peixes são claridade
a claridade é morte
a morte é laranja
a laranja é vulcão
o vulcão é feno
o feno é elefante
o elefante é afogamento
o afogamento é riso
o riso é montanha
a montanha é anel
o anel é solidão
a solidão é areia
a areia é roda
a roda é terremoto
o terremoto é cílios
os cílios são cascata
a cascata é bigorna
a bigorna é lembranças
as lembranças são vermelho
o vermelho é chicote
o chicote é fim
o fim é mel
o mel é nuvem
a nuvem é o infinito
o infinito é infinito
as borboletas são peixes
os peixes são claridade
a claridade é morte
a morte é laranja
a laranja é vulcão
o vulcão é feno
o feno é elefante
o elefante é afogamento
o afogamento é riso
o riso é montanha
a montanha é anel
o anel é solidão
a solidão é areia
a areia é roda
a roda é terremoto
o terremoto é cílios
os cílios são cascata
a cascata é bigorna
a bigorna é lembranças
as lembranças são vermelho
o vermelho é chicote
o chicote é fim
o fim é mel
o mel é nuvem
a nuvem é o infinito
o infinito é infinito
SONHEI
1
Só, completamente só, caminho sobre uma
nuvem. Minhas pernas são acariciadas por uma relva tão transparente que não a
vejo. Estou maravilhado pelo silêncio. Tomo um pouco d’água escura e transformo
a nuvem numa jovem que amo loucamente até a minha morte, na solidão.
2
Estamos sentados na beira de um rio, ela e eu. Ela me fala, e o murmúrio de
suas palavras torna-se uma nuvem de cerejas que se pousa sobre meus cílios.
Respiro calmamente e penetro nas imagens que ela teria desejado esconder de
mim. Ela ri, depois pega uma montanha e a pousa sobre meus lábios, entre
nossos beijos.
3
Viro-me, vejo o mar de uma cor
indeterminada e três conchas vermelhas. De um cipreste sai um cervo. De seu
olhar tranqüilo brotam avencas numa angra. Ajoelho-me para colher um pouco da
relva escondida entre os seixos. Espero o cervo adormecer. Quando o vejo chorar
lágrima após lágrima, cravo-lhe a relva entre os galhos. Uma jovem azul sai-lhe
da cabeça e por inteiro tremo com os beijos nus que ela deposita sobre minhas
pálpebras. Com um supremo esforço, abro os olhos para quebrar o segredo, mas uma
lâmina de onda negra o arrebata e choro toda a noite no vento, frio.
4
Esta floresta é clara como seda. Um
esquilo branco flui caudaloso nas ramagens e me traz a primavera desvairada.
Pergunto-me se é preciso esperar até que o amor ecloda o galho morto da
esperança ou se não seria preferível partir em direção à praia, entrar
furtivamente na água e nadar amplamente até o alto mar, tão novo. Gostaria de
andar, mas sinto que não tenho mais pernas. Tornei-me uma árvore e tenho
folhas. Estou a ponto de brotar e rio, mas não é mais um riso, é o murmúrio
ameaçador da minha nova folhagem. Deveria me preparar para o amor mas torno a
me fechar e nado em direção ao sono.
5
As
cores me circulam e me sublevam. O que vejo então não é mais nem uma árvore,
nem uma montanha, nem um camaleão, nem um arco-íris, nem o dia. De todos os
lados, as flores nascentes me fixam, vêm e desaparecem por trás de minhas
pálpebras, por trás de minha obscuridade. Banho-me com as algas nuas, e uma só
vaga poderia fazer cintilar o pesado anel da tranqüilidade. O silêncio se
espalha como uma onda em torno da pedra caída num lago imóvel, largo, onde nem
mesmo o eco pode salvar o passado. Em meu olho alguma coisa se mexe como o jogo
jocoso dos seixos da torrente e depois há a árvore como uma sombra que eu
gostaria de visitar mas permaneço petrificado. Parece-me que não posso me mexer
senão à maneira do girassol, seguindo o sol.
Traduções : Éclair
Antonio Almeida Filho
*
Radovan Ivsic (Zagreb, 1921-2009) é um crítico-poeta-dramaturgo surrealista
franco-croata, de uma poesia que poderíamos chamar de um surrealismo da
natureza, da magia e do sonho. Seu primeiro livro - Narciso -
publicado em 1943, numa tiragem de 100 exemplares, foi retirado imediatamente
de circulação pela polícia titista da então Iugoslávia sob a acusação de arte
subversiva. Ao ver o clima de terror e repressão que tomou conta do seu país,
Ivsic resolveu imigrar em 1954 para a França, sendo recebido em Paris por
Benjamin Péret. Lá toma parte nas atividades surrealistas organizadas por
Breton. Após a morte de Breton em 1966, Ivsic passa a dirigir em seu lugar as
Éditions Surréalistes. Dentre suas peças teatrais, destaca-se Le Roi Gordogan.
Sua obra em francês encontra-se publicada em três volumes pela Gallimard: Poèmes, Théâtre e Cascades (volume
de textos críticos).
Comentários
Postar um comentário