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Mostrando postagens de julho, 2021

UM SONETO DE EDIR PINA DE BARROS

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  DÚVIDAS   O que fazer da dor que fica e insiste Fazer morada dentro do meu peito, Falar bem alto quando só me deito deixando o meu viver demais de triste?   O que fazer? Se tudo em mim resiste? Se rolo a noite inteira no meu leito A procurar a luz, que eu olho e espreito... Mas ela fica e grita, dedo em riste?   O que fazer... Eu sempre me questiono, Das noites sem dormir, sem paz, sem sono Enquanto a sua seiva em mim decanto?   Talvez beijá-la com amor, ternura Pudesse ser a fonte de uma cura, De novas ilusões, de um novo encanto.   Tela : Edouard Bisson  

DOIS POEMAS DE PAOLA SCHROEDER

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  INOPORTUNO DEVIR   I   Seio descoberto, delicado. Boca leve, fina, fina, espessa. Voz de Madalena. - dedos estéreis: cansaço, dor. Ternura insurge afônica. Tanto flutua, farta os olhos. Palavra cobre os lábios. Silêncio muda de dor.   II   Luto oculto nas mãos de Sísifo. No asfalto nem náusea, nem flor. Teu afeto desfeito pela minha língua. Nem pó de ouro, nenhum reparo possível. Leve, fina, finda, espessa.   ***   Da pátria que brotei nenhum germe resiste. Vi guerra em tantos seios inaugurando nações Vermes atracando seu caos nos dentes ainda de leite.   Não quero ver mais nada, não posso ver mais nada, Desço meus olhos na estrada que maculam meus pés.   ali os cravo como sementes e do solo fértil o que nasce é tristeza.  

4 HAIKUS LEPIDÓPTEROS DE JORGE AMÂNCIO

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    I anteaurora a borboleta pousa porta-voz de cores   II meia-luz a borboleta voa gotas de arco-íris   III lua cheia a mariposa pousa sumidiça   IV lua nova a mariposa voa   pincel de luz    

CINCO HAIKUS DE SANDRO SILVA

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  I   O grilo arisco margeia a lagoa alheio ao risco.   II   No meio do mato pardal não espera o pulo do gato.   III   Noite orvalhada margarida amanhece de véu e grinalda.   IV   No cair da tarde a lagarta se encasula sem fazer alarde.   V   Jardim florido abelhas trafegando doce zunido.

DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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  RÉS DO CHÃO   Longe de remorsos e saudades recorto o tempo nas imagens de um jogo mal acabado   O senso cômico perceptível nas vozes de variados tons   dão fundo a hilárias conversas.   Dos guardados da musa vem o cheiro da lavanda. gosto doce no ar viagem sem fim.   SEMENTE   Quando o poeta fala com seu íntimo o poema é efeito dessa conversa. A poética vive lá dentro, onde habita o ser. Metabolizar isto é função da usina de versos do poeta. No árduo deserto da estiagem as palavras secam,       à espera da chuva. No alto das árvores o vento sopra folhas secas. Como elas, caem os semas. E cai a neve e geia. Depois da friagem, há uma nova estação– e novamente poderemos lembrar as flores.    

UM POEMA DE ALEJANDRO LLORET

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    Cônica de cotovelos aquosos grito guita com espuma de mordida justifico em círculos   poderia ser um pacto na barraca gris poente aí é broto sofre outro olhar se esconde no furtivo   lábio-anelar designa dimensões de preto em pescoço impróprio de cores e declara sombra colapsada mancha a lente difícil que mente angular cúmulo ledesma do lado do avô desmaia na rocha um estado submerso dobrar a tela é ficar com aflições gris tangente gris de asfalto vez do cinza que mata gente subjugar a opacidade asila e se desprender do prato em vezes a alba reconhece que não verás não lerás não saberás que a fruta oferecida no túnel é o espaço perdido a caminho para o vazio deter o bis-dobradiça visão circuito aberto holofote de sogra rumo ao prodigioso objeto sem ser-coisa deflagrada em lustre e no tapete filetado um dia impar de borboleta não queiras que a areia fale do irresistível bico-de-verso   o falcão devora a margem de uma flor excreta em rugas de luz na memória recomeça sua espinha e a

UM POEMA DE NILTON CERQUEIRA

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      DANTE ENTRE ESTRELAS   Vai Dante, leva ao espaço distante Na via láctea, os versos teus! A bordo da nave, o registro da tua obra Cumprirá uma sina sutil: Ser um bordado entre estrelas No ar rarefeito Fio feito de artifício raro Este que tu, Dante (e antes de ti Arnault), teceste! Tomando à mão precisa Essa esquiva língua mãe Vai Dante, e diz à amada donna Que agora pairas Transmutado em liga de ouro e titânio Há anos luz de tudo que viveste Tu, tão versado que eras nas sete artes liberais Jamais imaginara tais confins Lá, no constelar caminho sem meio Num vácuo de selva escura Será legado além um outro Alighiere! A divina comédia passeando nos astros… O rastro vivo de Beatriz Tal qual um quasar, quase não brilha A donna encarnada em matéria ínfima Sem círculos ou inferno, ou seu inverso Vai Dante, e em viagem forjas A causa de um desejo siderado   A mulher enfim despida em seus infinitos          

QUATRO POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  UNIVERSURREAL   das nuvens de relógios derretidos despencam gotas de rubi   com guarda-chuva invertido passeia sorrindo o fantasma Dali BRUXARIA FLORAL   o vento. descobri com o susto. uivos vibrantes. acordes sinfônicos dos fios de telefone.   o vento sem rosto. o vento sem nome. o vento. descobri seu movimento pela areia além da ampulheta. pelas folhas amareladas secas como nuvens de borboletas.   o vento libertado. o vento de algum vale. o vento que causa arrepio que mistura ao olfato o cheiro de chuva. o cheiro de mato. o cheiro de estio.   o vento de fato. o vento de algum lugar. o vento detrás dos montes. o vento de além-mar. o vento que vai e volta. o vento. a revolta do ar. À FLOR DA VISTA (Construção empírica do abstrato)   I   Seus olhos estáticos dependurados no tempo. Transe paralelo à procura de um ponto infinito.   Ver pela primeira vez a escritura da natureza no hiato do invisível. A contemplação

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  BEIJOS CUSPIDOS EM FLORES-INSETOS NO VENTRE DENSO MARFIM   * a calçada rasgada pelo bombardeio costura vespas entre nesgas carmim * o olho hóspede de grãos voadores bebe vinho das flores de um alecrim * na oca próxima olhos vermelhos voam à sombra de um zepelim * posto à mesa um par de brincos tinto cobre a cortina morta do botequim * em cordas bambas sobre os punhais o dono das bombas perde os mocassins * a essência inseto transa como flor   atinge o vazio -baila- nasce jardim  

DOIS POEMAS DE SANDRO SILVA

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  NOSSAS NOITES   A chuva murmurosa que cai esta noite desliza pelos telhados lisos da memória   Em meus devaneios conhecidos contornos de teus encarnados lúdicos lábios   Sempre molhados das tantas outras de nossas noites chuvosas a dois. ALÉM DOS VIDROS   A chuva caía ao seu ritmo mansa e cálida sobre o telhado como um breve deslizar dos dedos sobre a face marcada pelos dias em tons sucessivos de murmúrio de uma tarde que clamava por permanecer clara e desperta para além dos vidros da janela.   Folhas e grãos de areia arrastados o cheiro da terra molhada cercando a casa como uma grande ciranda de infância estranhamentos emaranhados ao meu lado pesando sobre a imóvel poltrona restos dos dias que se evaporam a romper em saltos na memória a barreira sinuosa do tempo.   Não sei mais o que é lembrança ou mera miragem desprendida sensações sorrateiras que se aproximam no imponente horizonte do porvir mas sei que

UM POEMA DE ANDREA MORAES

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  MISTERIOSO DESEQUILÍBRIO   Reino de aranhas e terra fofa; reino de ruídos escuros e água, habitação das formas óbvias. Coluna de corais e círculo de sal, misterioso desequilíbrio   Um por um passam os carros nos viadutos, em frente aos terraços, cortando o ar com fuligem rubra   E todos os deuses têm seus nomes esquecidos diante de seus templos arruinados.

TRES POEMAS DE CELSO VEGRO

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  CONFISSÕES DE UM ALIENISTA   Em mergulho profundo, o que não alcanço em mim: são os outros.   Em trilhas, escarpadas, que não ouso transitar em mim: são os outros.   Em atlântico horizonte, de pacíficas tormentas em mim: são os outros.   E na ordem cósmica das simpatias, sublimes e finitas, desperta um eu.     REPTO RIMÁTICO   Foi entrosamento incongruente, onde adversidade iminente, numa variante reiterante, por requinte incessante, sob resgate galopante, em ascendência drástica:   Fez, delírio enfático abraço cáustico, quase aristocrático fatalmente midiático.     ***   Pavio encandeceu em mim, sepultando monótono ritmo da vida e urgências da mesa.   Portando olhos bisonhos e nervos em frangalhos: maravilho-me, escandalizo-me, por fatos excepcionais e impertinências torpes.   Dilacerado entre miséria e grandeza, esvanecem alma e destino penta