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Mostrando postagens de agosto, 2020

UM POEMA DE REGIVAN SANTOS

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 voz do vento nas paredes juntando meus cacos  ruído a corroer a carne no andaime do peito sede ancestral horas suspensas no abismo prefácio do sono germinado no prepúcio do tempo não irás à sepultura comungarás comigo essa noite hoje saciado  esperarei o rio dobrar a esquina tecendo mais um dia na urdidura do mundo

UM POEMA DE CARVALHO JUNIOR

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  VOGAIS   [A] Alma-de-gato em flutuação no açude das bocas e na ferrugem do amor fora do ninho.   [E] Estrelinha-do-norte com espeto de delicadeza nos ecos dos uí-puís escondidos nas sobrancelhas brancas da árvore de fonemas virgens.   [I] Inhambu-relógio atrasada para o anúncio da noite em que o desenho do sorriso da índia ainda se guardava numa flor de jenipapo.   [O] Olho-falso de uma sabiá-de-óculos choradeira de ontens no trincado amarelo de anéis dentro do ouvido sem espanto.   [U] Uru-de-topete derramador de flautas de bambu na libélula das orelhas despertas às funduras nascentes da noite urutauzada de utopia.    

UM POEMA DE JOSÉ COUTO & JÉSSICA KAUANA BASTOS

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  TOTEM II eu penso por que não fujo do perigo, todavia a poesia parece um caminho seguro sem senha, tudo é cabra cega a linguagem será nosso fel drummondiano sem céu, a vida imensa esclausurada brotam restos, migalhas, palavras cinzentas versos que exalam fragrâncias da noite, da água, da lua, da vulva há algo em meus olhos que não se fecham,  seguem encostas dos segredos das fomes dos abismos dos tumores rumores irados, rajadas surdadas na pele, nos cílios, debaixo das unhas táteis, ásperos, de olhos cerrados, abertos fluindo a feliz infelicidade sozinho, ora pleno, ora vazio, sigamos... Arte de Artur Madruga

UM POEMA DE MAURÍCIO SIMIONATO

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AR REVOLTO Os eucaliptos aplaudiam a noite porque esta lhe trazia o céu estrelado, às vezes. E era por isso que desafiavam a gravidade. Resvalavam folhas entre si para fazer ventar a madrugada para debaixo de suas raízes e na manhã seguinte, talvez eterna, Faziam nascer novamente o ar revolto, aos pés Daquilo que os movia. e o faziam sem ao menos saber o que é o amor assim, jamais se esqueceriam de ser o que sempre foram. Sabiam que o que lhes restava era ser e o faziam para desgravitacionar a existência.

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  BATA OS TAMBORES DA TRAGÉDIA PARA MIM ( a Langston Hughes )             I no desfile da escola de samba  vozes e tambores chegam de longe. coro afinado ritmo balanceado, a porta estandarte  traz a bandeira  do universo à frente da bateria. batuques para afogar os conflitos  dos ruídos, das tragédias  dos últimos suspiros.  na boca,  nos pés das passistas, a cuíca que chora  numa nota aguda, o samba triste.  nos adereços o nome de cada mulher  de cada homem  mortos pela violência,  muitos pretos  quase todos pretos.            II uma legítima teia que unifica  a comunidade inteira. tocam por igualdade cantam por visibilidade. justiça  o enredo  do morro universo.

DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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  FUGA DO PARAÍSO   Já não basta guindar o sujeito ao ápice. Ele não se acomoda nessa posição. Pois sempre segue à risca o estatuto da mediocridade. Manter-se assim, tão pabola, traz o que revela querer por todo o tempo, lhe faz mal. Nenhum outro lugar serve para ele. Só zona de conforto  em fuga do paraíso. A felicidade É uma ameaça letal. Arriscar não, por que tentar perder? Eis a questão inglória, a que não leva ninguém nunca a lugar algum. ESQUECIMENTO sem cenho sem céu se encerra a ave voa o desencanto este é seu ofício céu aberto no ar condicionado qual a senha desse céu azul granada?

UM POEMA DE JÓIS ALBERTO

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  ELEGIA   Na Pedra do Rosário, às margens do Potengi, A brisa solitária finda em melancólico pôr-do-sol, Num céu marrom, azul, com tons de avermelhado arrebol. Um jovem diante do cenário Louva plantas malditas e vinho ordinário Em recidivos versos de sentidos desregraddos (ele desconhece O prazer do sommelier, que degusta o sabor do vinho raro,  Um prazer aristocrático, burguês – e se avalio bem – avaro E caro). Surge nova a lua amarela nas águas do negro estuário, Onde um barco vazio segue sem rumo, Rente ao mangue lutulento de pungente desvario. O adolescente cambaleia Por caminho de crepuscular poesia, Sem perceber o inexprimível vôo do pássaro, Presságio de sonhos ruins Em que formigas procuram o seu coração.  Ansiedade! Pensamento golpeado, turbilhão de sentidos, Na senda da noite, entre a vida e a morte; O louco morreu. Outro homem nasceu. No céu, uma nuvem de rosas, Vermelhas E  Amarelas, Vaporosas, Caem ao peso do amor.  Quando o túmulo se abre vê-se o mar - Igual à lápide e e

UM POEMA DE FLAVIANO M. VIEIRA

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    O ARRANHAR DAS SOMBRAS Quando me vejo tardio repartido e vazio com dores nos poros aflito eu ouço o envio destemido e ardil doente dos olhos: “Não cede ao vento pesado excremento estalado  que místico entoa eco quebrado lembrado fenecer transtornado que a verve destoa” Só ouço e almejo e declino aridez do destino  em voz de manteiga quando me vejo menino de acidez desatino eu ouço a trombeta: “Foge a desnuda sangria que dá à morte alegria de ombros sem gás suprime a voz do esguio silêncio tardio dos pobres mortais”

DOIS POEMAS DE MAURÍCIO SIMIONATO

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    SEM FLANCO, SEM GLÓRIA Invisíveis são os heróis perdidos nas alegorias de reencontros tardios e os desaparecidos na insensatez do dia a dia como leite derramado  no ralo da pia. Punhos cerrados levantados para o alto  aos que partiram por descaso, desleixo ou percalço, que se foram num relance de dados. Que voltaram da guerra na pele de outros soldados. E aos abandonados nos campos, nos mares, nas sarjetas e nos hospitais. Arados num solo estéril da indiferença. Afogados em mares que viraram sertões de amor. Enumerados em arquivos salvos nas nuvens. Abraçados ao tempo para se tornarem terra da sua terra ao relento. São heróis do além os apagados das memórias. São heróis os que ficaram sem nome e sobrenome nos prontuários Heróis en passant numa eternidade distante. Sem direito ao Adeus.  Sem ter alguém alí,  logo adiante.  Que dormem embaixo de marquises nas noites frias sem desejar matar ou morrer,  mas só amanhecer o corpo diante dos olhos cegos da rua. De foto com sorriso no po

TRÊS POEMAS DE LOURENÇA LOU

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  ATO FINAL quando vieres ó morte o que levarei comigo? talvez um obstinado descaso pelas falsas carícias da vida certo estilo no uso dos saltos a comer calçadas esta ilimitada admiração pela coragem de Adélia no inaudito louvor ao cu confrontar a moral da igreja   me dirás com olhos de brasa: traga os diários noturnos que guardam com timidez a versão de seu sexo felino   carregue a áspera meiguice com que feridas amigas beijaram-lhe os olhos deram sentido à sua visão e esta inveja que te grita do mais profundo da gaveta pela rosa de Drummond e seu amor natural   enfim me dirás: esqueça os cadernos de catecismo você nunca se preocupou em fazer malas no dia anterior.     EXPLOSÕES   querem-nos medo : alguma chama cólera coração   querem-nos   pausas esparsas entre risos amarelos   embora ignorados por quem paralisa nossa respiração   ainda podemos provocar a bomba que os surpreenderá

UM POEMA DE REGIVAN SANTOS

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  vi casas caindo águas embrulhavam o estômago      seu vômito                      ornamento das ruas vi a fuga do sol ante a figura do mundo as árvores ardiam as nuvens se amotinavam conspiravam as vias mas o homem brincava no seu próprio estrume   

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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  FUGA DO PARAÍSO   Já não basta guindar o sujeito ao ápice. Ele não se acomoda nessa posição. Pois sempre segue à risca o estatuto da mediocridade. Manter-se assim, tão pabola, traz o que revela querer por todo o tempo, lhe faz mal. Nenhum outro lugar serve para ele. Só zona de conforto  em fuga do paraíso. A felicidade É uma ameaça letal. Arriscar não, por que tentar perder? Eis a questão inglória, a que não leva ninguém nunca a lugar algum.

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

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  RESPOSTA À CARTA ABERTA AO AMOR OU ODE AO FRACASSO     na voragem transcendente de teus versos tenazes   recolhi na alma a porrada firme e forte entre os culhões do estômago trincaram e estilhaçaram a porta de saída   a ampulheta girou seu raio de opacidades   o verbo verniz de sal que deflora transitoriedades bordou suas tintas de cores reverberadas em ecos urgentes unquentos para os tantos desconsolados desencontros   mestre dos intrincados caminhos da inquietude   o peixe designa de agora em diante o leito ressecado desse rio sem signos ou significados   e o pássaro entoou seu assombroso canto indecifrável na trilha   antes de perder-se no horizonte ainda recebeu no rosto marcado de imperceptíveis fragrâncias de auroras   seu óbolo que alimenta de éter o tempo cristalizado na poeira    

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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NO MEIO DO CAMINHO Há um Drummond no meio do caminho, quaisquer que forem os olhares, no meio do caminho há um Drummond. Um homem branco com óculos de poeta chamado Carlos, tinha de ser carioca nascido em Itabira nas terras de Gerais. Magro funcionário inventor de José que também era magro e agora, José é amigo de todos guardado a sete chaves. Há um Drummond no meio do caminho, na nota de cinquenta cruzados novos. No meio do caminho há um Drummond, na voz do negro mineiro chamado Milton nascido carioca, no bairro Tijuca do Rio. Há um Drummond no meio do caminho, num banco do calçadão de Copacabana. Por que tiram os óculos de Drummond?

DOIS POEMAS DE JADE LUÍSA

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    I. Ave gorda no campo de dentes-de-onça galopa sobre as asas da libélula espeta a boca da noite, lâmina pergunta ao reflexo da água o porquê dos séculos     II. Tufos de cabelo branco velam o breu Voz de animal em fuga: sibilo verde-âmbar Folhas de porcelana tombam, reverenciam o soluço dos sapos, o choro das estrelas     III. No manto faminto pela estética dos algozes brotam mãos vulcânicas unhas terrosas pentelhos ruivos coxas grossas de jequitibá   Despenca o fruto do topo da testa parte-se ao meio feito cuia: uma banda toca o sopro enquanto outra morde a língua do céu     IV. Calcanhar de barro atravessa o pântano de ferro e lágrima encharcado com nanquim     V. Derradeiro regalo da noite saliva das tetas anciãs fogo estala fêmeas uivam     SUSSURRO   R esposta ao não estar   Veja poeta: a água fala comigo ela tece brotos nos cílios do rio o corpo-estar mergulha na fenda pesca a não-