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Mostrando postagens de junho, 2022

SEIS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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  ELEGIA PARA UM DIA EM DESESPERO   numa terça em agonia somam-se fincadas à bala cruzes na favela vila cruzeiro   no mesmo agônico dia subtraem-se almas imigrantes sacadas à bala estado de terror no texas   lá lobo solitário ataca aqui cães raivosos devoram presas sem voz na calada madrugada   naquela terça conta-se um quantum mortífero: zera eros total horror   entre o céu de deus e a cova-dejeto a terra que resta entregue à sua sina pobre devastada (sob perversa chancela) à reiterada chacina   EROS ATÔNITO   eros se alterna entre espaço extenso e tempo contrito: ora árida senda sulca rente à história ora errático pingo um instante antes da queda   ESTRANHAS ENTRANHAS DO SOM   rumor noturno mar espraia-se gota sonora cruza campo alcança árvore galho murmura dissonante ao canto da ave enquanto escuta acalanto da mãe afagar

QUATRO POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  A MORTE DE NARCISO   depois de tantos escrúpulos e gestos premeditados   depois de tantras esdrúxulos e tardes eclipsadas   o amor quedou-se noturnamente   como se o método do tempo de sempre adormecer   jamais o tivesse acordado   O MUNDO DENTRO DE NÓS   I voo coletivo de aves no fim de mais um dia:   repetição do cenário no peso da existência entre distância e limite.   lampejos de busca - olhos entortam imagens atravessados pela noite.   bússola da permanência no silêncio do hábito: confronto da espera?   II na retina do mundo as lições do tempo -   cuidado místico com lugares preenchidos pela ausência.   o tempo demora a passar ao contrário das ruínas que o circundam.   ao modo da tradição niilista a procura do distante estranho e diverso   para fortalecer interesse pela vida.   III detalhes da paisagem na tessitura do enredo   embalado pela insôni

DOIS TANKAS E DOZE HAIKUS DE NARA FONTES

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  geada silencia nascente   córrego à espera das águas   ***   ondas desenham o mar na praia   vento tece bem-querer com rendas de maresia

DOIS POEMAS DE JÚLIA CALHEIROS

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  Içar do sol sobre o horizonte fez brilhar o mar após estiagem lampejo do amanhecer **** Lua ilumina campo sombrio homens e mulheres lado a lado: começa a noite festiva em danças entrelaçam-se braços.      

DOIS POEMAS DE JOSÉ RICARDO

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  um dístico é botão   carvão sobre a pele   perianto que encobre   odor feminino   tigre que n’água jaz   é botão — flor exasperada     Mágoas a Enipeu   Vai junto ao rio   tira leite dos corais   na borda o pranto   foz do desejo   a água varre  

UM POEMA DE MÁRCIA TIGANI

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  ENSAIO   Entre piracemas e diástoles ela surge fluida laminar e verde tecida em tramas   Suas nervuras mostram-se ao vento, como súmula diáfana em versos: estranha geografia . . Nômade, inesperada fenda exposta planta de algum reino plasma de algum ramo   Gineceu cativo dos folículos da tarde que a fecunda em ramagem e flor

DOIS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  NA CIDADE DA ÁRVORE DA PREGUIÇA   3 federais 2 capacetes brancos mãos na cabeça abra as pernas   transtornos mentais   todos gritavam todos sabiam   algemas mata-leão   o cão olha não pisca não mexe o rabo   3 federais pimenta chiqueiro tortura lacrimogênio câmara de gás   todos atônitos todos palanque   porta fechada pernas de fora Genivaldo Jesus Santos executado sem capacete   o cão corre late entre fumaça   todos viram todos filmaram   um ano exato George Floyd ficou sem ar   todos viram todos fulminaram *** Semprenlace em nós Sempressão Semprevivência em nós Semprevisão Sempretolerância em nós Sempretensão   Sempressentimento que não sei explicar na convulsão vou chamar de amor Sempresente   Semprenlace em nós Sempressão Semprevivência em nós Semprevisão Sempretolerância em nós Sempretensão   Sempressentimento que não sei explicar

DOIS POEMAS DE ISABELA LYRA

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  INCIDENTE NA PRAIA DA AVENIDA   Distraída marcha beira-mar anseia o horizonte joelhos em sargaço cintura, peito, pescoço e o último suspiro fazem o caminho   EMPANADO   um dia de sol praia meu coração atirado à areia    

TRÊS POEMAS DE CELSO VEGRO

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  Viés de sombra sobre planta pontilhista, inexata, de cores e matizes imperfeitas saúda o instante, sufocando o peito em ciclos veementes.   Há desencontros, na alameda do zoo.     DESATINO   No suor dos sonhos, lágrimas são concreto.   Na calçada dos soluços, somos os mortos.   No solo das águas, milagres são desatinos.   No útero do porvir, jaz corpo alheio   AMOR DOS INFELIZES   Capela paciente exala alma com largueza onde rezam-se breves e breves partem sem se importar com o carpir dos mortos.

UM TANKA E DOIS HAIKUS DE CLAUDIA SLAVIERO

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  campo de outono – sem florir o alecrim passa mais um ano   será tristeza ou orvalho que mareja teu olhar?   ** manhã de frio – desponta rabo de gato no cesto de novelos   ** peleia entre gatos por uma nesga de sol – primeira de geada

DOIS POEMAS DE CLAUDIA SLAVIERO

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  CARTOGRAFIA Meu papel diz que nasci aqui. Digo que não, mas explicaram que o aqui não é   só a vila. O meu pago é maior: casario, campo, coxilha e mata; feito um corpo, com braços pra lá e pernas acolá.   Se é assim, brotei no sovaco do mundo. Não torce o nariz, meu bem... (Posso te chamar de meu bem?) O sovaco não é ruim. É meio acantoado, então tem sossego, é morno, como a saudade que sinto de lá. Tem a penugem, que era o pasto onde eu corria; onde não tinha capim, meu pai plantava.   Jogava a semente na terra, na minha mãe, e colhia sempre. Num ano milho, no outro, bacuri. Quando ele se foi, a mãe ficou com os filhos homens, que tinham aguente pra tocar o que o velho começou. E achou de mandar as filhas correrem. Eu parei na vila, que pra mim não é o umbigo, é mais abaixo. (E não é, meu bem?) Aqui vens trazer teu gozo, mas sei que nem sempre é bom, porque já te vi chorar. Então, dorme no meu braço, que num tempo cheira a flor de laranjeira, e no estio, a capim-cidreira, como lá