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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

OITO HAIKUS DE MARIA MARTA NARDI

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  sobre o rio de pétalas curva-se a ponte de pedras * * * sonho de infância a sorte no som do realejo * * * chuva da tarde barcos de papel nas águas da infância * * * de cor em cor entre os ramos pássaros de origami * * * amanhecer no mar uma a uma as gaivotas * * * noite de insônia meus pensamentos na linha do horizonte * * * domingo de sol meninos com pipas duplo arco-íris * * * janela aberta um pouco mais de vento a borboleta

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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  NERVOS Lapsos furtivos trazem lembranças esquecidas. Você aqui em carne e osso junto a mim. Memórias esparsas amparam o tempo imponderável. Imagens vazias, realidade crua compensam toda a loucura. Rever de súbito um passado farto, como se fosse presente. Fibras dos meus nervos afloram. Quando toco você, vibro em suas ondas.

UM POEMA DE PAOLA SCHROEDER

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  CAPIM-LIMÃO ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Centelhas brancas desenvolvem esculturas e torres. Vinhos transpassam seu sorriso e deitam sobre seus dedos. Carré perfumado de ervas e seu capim-limão. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ O triunfo de um arco é o que os meus olhos veem Pergunto se concreto talvez não fosse eu o morto. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ As madeixas torneadas,  o olhar lançado. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ A palavra não quista. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Um cheiro muito mais baixo norteia meu presente. Podridão enlaça minha cintura e me suprime o ar. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Falo das relvas, das carnes, dos vermes. De tudo isso que pelo inverno foi abafado.

UM POEMA DE SIDNEI OLÍVIO

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  UM MEMORIAL perdi a razão do tempo embora o momento não deixasse de existir mas a opção em permanecer fechado aumentou o tédio nessa noite de relâmpagos e trovoadas em que perdido em meus escuros fiquei a meditar sobre a imagem do teu corpo e os sons indistinguíveis de uma música jamais escutada por estes mesmos ouvidos que guardam ainda o eco engasgado da tua voz na dúvida do desejo que o teu sexo alertou quando me aproximei de ti e estavas nua implorando amor urgente e mesmo assim me ignoravas

DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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  LÍNGUAS DO VENTO  vela  pavio vela acesa olho no fogo línguas do vento calmo a vida entra na chama e acende o que seja  expectativa pela vela o pavio a vela acesa nossa chama além da noite MAIS NADA Mais do que o velho tempo mova sol, terra, lua, vidas. Mais do que caudalosos rios busquem o sal das grandes águas. Mais do que em nosso quintal de flores floresçam todas as primaveras.  Mais do que venha a lógica  de um instante revelar  o sentido de todas as razões. Mais do que os pássaros batam asas para encontrar o vento que lhes aponta o Norte. Mais do que possa um ser livre e que maior lhe seja a aventura de estar. Mais do que deseje querer agora não irei buscar mais nada Para mim já está bom demais.

UM POEMA DE LOURENÇA LOU

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  LAMAS   sustenta em seu enredo lamas a arder pés e pálpebras rasgo no peito de pelicano   na impotência de seu destino finge não haver fundo de poço vazios desvios mesquinhez   em silêncio tranca dentes no negro da dor e desinventa fluidos e feridas do desamor.

UM POEMA DE LUCIANA BARRETO

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  TEIA   as aranhas enredam               seu engenho táctil bordado aço              em teias móveis ordenados fios            em trapézio aéreo e a vida segue            seus enredos rotos e vez ou outra a trama ensaia palavra armada        sustentada                        firme   a aranha urde                    sua seda exata dália suspensa que se abre lenta que se despetala súbita                                          lunar que se abre translúcida única                             ao salto elástico                  ao malabarismo vário a este fado breve                           inconsútil                                   imemorável

UM POEMA DE PAOLA SCHROEDER

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  ON/OFF No dedo fina prata  rompe o olhar É sabido, foi dito Ser ave, aventura e nunca pousar. Vários movimentos. desencontros seguidos. Na linha o medo. Os pés no chão. A porta fechada. Língua afiada nos dedos. Silêncio conquistado com um clic.

UM POEMA DE ANDRÉA MORAES

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UM ESCRITOR E SUA VIDA Observo: um escritor e sua vida estão mortos e separados no mundo dos deuses  Nas manhãs pela última vez  em ódio apartados

UM CONTO DE RITA COITINHO

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  CALDEIRÃO, ARMA DE GUERRA  Seguindo a margem do Rio da Prata para o norte, em direção a Nova Granada, um grupo de ciganos recém-chegado de Cádiz passou por Assunção, oferecendo mercadorias de casa em casa. Dona Inez de Salvador, rica esposa de um estancieiro, estava mesmo à procura de uma panela grande para refogar os ingredientes da sopa paraguaia. Comprou o caldeirão sem negociar o preço. Naquela noite houve festa no acampamento cigano. A panela comprada aos pagãos ficou com a católica família hispano-guarani por quatro ou cinco gerações. Cozinhou caldeiradas de peixe pintado e arraia; guisou carnes de caça e criação; refogou o recheio da sopa paraguaia, razão de seu primeiro uso. Perdeu a alça, por excesso de peso, e nesse dia virou todo o jantar, causando grande alvoroço e consternação. Consertado, de alça nova, frequentou os fogões a lenha da família por décadas até o dia da requisição. O ferro fundido e refundido daquele caldeirão guardava a memória de geografias distantes. Os

UM CONTO DE PAOLA SCHROEDER

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  SOFIA Ela nunca imaginou entrar num lugar daqueles, mas precisava se aquecer, de um drinque. Precisava parar de tremer. Sentiu uma dor no peito, levantou-se depressa e saiu sem a bebida, escorregando sobre a neve que jazia na calçada. Se alguém soubesse estaria morta, não podia pedir ajuda, era difícil manter-se em pé. Foi atravessando a noite pelas esquinas assustada. Olhando para todos os lados. E se ele tivesse a seguido. Tentou não pensar nisso e resolveu ir direto para casa. Lá estaria segura. Pelo menos até resolver o que fazer. Haviam se conhecido no final da primavera, se passara três anos que Sofia o encontrou perdido na livraria. Era um rapaz corpulento, de maxilar quadrado, mãos grandes e olhos bem arredondados com um castanho esverdeado. Já Sofia era pequenina, tinha os olhos escondidos atrás de um grande par de óculos. Usava saias e blusas que ficavam um tanto caídas no seu pequeno corpo. Trabalhava na livraria há mais de cinco anos e sentia-se segura diante do conhecime

UM POEMA DE EDIR PINA DE BARROS

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PEDRAS E PEDRAS Homenagem ao Padre Júlio Lancelotti No meio do caminho havia uma pedra que a Vale minerou, Britou em milhões de lascas Com máquinas,  capital estrangeiro, suor e sangue de milhares de homens até virar cratera. Embaixo de viadutos a intolerância do Estado plantou inúmeras pedras pontiagudas para expulsar moradores de rua sem trabalho e teto...  Apenas um homem Indignado, com gestos simbólicos, quebrou-as, perante o mundo.  E agora José? E agora você?

UM POEMA DE NEURIVAN SOUSA

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  PROTESTO ANDRADIANO Para o poeta Carvalho Junior ódio aos que nos fodem aos que nos vendem aos que nos cospem  na face da dignidade  o ócio de sua infâmia  essa gosma de úlcera  esse vômito luciferino   ódio a todos os vermes  que encurvam tuas costas  à cega subserviência  à podridão cadavérica de seu reino de trevas  e ainda comem tua carne tuas tripas tuas córneas  para que tu negues o sol que te faz livre   ode aos que não têm onde enterrar as suas angústias  aos que não se rendem aos que não aplaudem as falácias dos larápios  que se revezam e rezam no pódio do planalto  com os pés na Carta morta e as sujas mãos na Bíblia.

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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      À MODA ÁSPERA DO CIMENTO   A viagem fala alto. Voz rouca. Muitas noites, longos dias, Sol e chuva, retas e curvas. Ondas acústicas marcam o ritmo desse trajeto sem fim, de largura sem fim: viagem sem fim. Ar, água, trilhos, trilhas. Mapas, pedras, gelo, poeira. Viagem sem fim.   Denso mundo de crueldades e ilusões: a vida fala. Coração bate e machuca. Num único movimento da terra, a movida humana: o ir-e-vir – nem tom acadêmico, nem calendário, nem dinheiro, mas compatível ao fluxo seguro da liberdade.   Questiono paredes, elas contestam à moda áspera do cimento. Viagem não combina com muros, quartos trancados, janelas fechadas. Sobrevivo sem viajar, no silêncio. Vejo nas minhas tonalidades violeta, púrpura, chumbo, musgo, meus ângulos em reencontro, minhas ranhuras, lisuras.     Já no âmago de sua trajetória, A viagem ganha escuridão, antes de brilhar à luz do destino. Dobram os sinos da província e se p

POEMAS PARA YEMANJÁ

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  RAINHA-MÃE Erù-Iyá Odó-Iy calunga grande da praia corpo de escamas e pétalas vestido Iemanjá de safiras e abebés de rainha Afagos da mãe bondosa que me quer lua nova, cabocla da praia da concha dourada ouve o vento dentro da cabaça de lágrimas e pratos rasos de arroz flutuando sobre os náufragos sem futuro redes de pescadores, ostras, antenas de transmissão, cabeças de peixe, ouriços pontudos, caranguejos virados chapiscados de areia branca plancton de espumas metálicas-fogo-fátuo contornam encostas e rochedos Farol solitário de pouso da gaivota vela-cruz dos marinheiros e açoras de âncoras cordas de prata cingidos em cabelos longos de onda Fiandeiras desse destino incerto das sementes de mostarda em teu ventre Erù-Iyá Odó-Iyá Scheila Di Sodré   ODOOYÁ!   Seu vestido rodopia a voz do mar.   O corpo ondula o ar dança.   Guarda conchas e pedrinhas, na porcelana azul.   No branco da mesa pato peixe canjica, oferendas à rainha.