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Mostrando postagens de maio, 2020

UM POEMA DE DIRCE CARNEIRO

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LEMBRANÇA O pai, bêbado, Traz o pão No sovaco

UM POEMA DE CARVALHO JR.

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TRENA te amo do tamanho da minha fuga te amo do tamanho do meu poema te amo do tamanho da minha culpa te amo do tamanho da minha antena te amo do tamanho da minha dúvida te amo do tamanho da minha tosse te amo do tamanho da minha lírica te amo do tamanho da minha morte te amo do tamanho da minha curva te amo do tamanho da minha tarde te amo do tamanho da minha chuva te amo do tamanho da minha chave te amo do tamanho do meu rondó te amo no além do nó do intamanhável.

UM POEMA DE FLAVIANO M. VIEIRA

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condenada a palavra esmurra a página ergue-se sem joelhos, combativa encerra a tal infame desvairada mormente o mesmo véu dela escondida página com usuras devassada no inverso do mistério, abatida efeito vil na incrédula boxeada riscados de loucura esclarecida traduz a monolítica do nada frente à face indignada, estarrecida afobada das partes transtornada sem vestes, irritada, transgredida passiva lauda em vão mal tatuada embebe um vulcão mal reprimida celulose com tona atropelada, de ritmo prematuro consumida nuvem de tez escura e mui prostrada brancura em negror bem decaída

UM POEMA DE LOURENÇA LOU

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QUANDO A ORDEM É RESISTIR faz anos parte de mim grita rouca enquanto a outra rasga inutilmente as vestes a cada morte embalada no conceito arraigado que homens são pontos finais que não me digam o que devo matar a dor não impede que minha língua se torne navalha.

UM POEMA DE VAGNER GAVIÃO

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DESESPERANÇAS Quero esmurrar quem odeio Esbofetear os que amo Despertá-los do terror noturno Neste paraíso de carniceiros Assassinar a pretensa beleza a ser colhida das tragédias Impedir que floresçam frutos no lodaçal da ignorância Silencio, esmoreço, grito Canso-me do ar que respiro Infecto, putrefato a prometer Inalcançáveis visões de oásis Vejo-me um outro quase-vivo Nos intervalos dos telejornais Ruge nas ruas um coro macabro: 'O extermínio é a nossa salvação!' A morte, pasma, congela estarrecida.

UM POEMA DE ANDRÉA MORAES

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DESMOTIVO Eu choro porque o instante já não existe e minha vida está incompleta. Não sou alegre, sou triste: não sou poeta. Irmã da melancolia, não sinto gozo, só tormento. Atravesso noite e dia, o coração ao relento. Desmorono, não edifico. Não permaneço, só desfaleço. Sei que não fico, apenas passo, mas não me esqueço. Sei que choro. E as lágrimas são tudo. Pranto eterno, canção ritmada. Um dia estarei muda, não sobrará mais nada.

UM POEMA DE MÁRCIA TIGANI

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ODE À SOLIDÃO DO MAR Desde sempre foi assim: Desde que mundo é mundo Um navegar solitário dentro de mim Rochas transformam-se Em promontório e anunciam meu navio no horizonte. Ondas ao longe são miragens, A descortinar silhuetas dos homens e da cidade E uns presságios vindos do oceano contam a inutilidade das coisas Pois a vida é breve, o mar absoluto, e a alma leve.

IMAGEM: MAN RAY

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DOIS POEMAS DE JADE LUÍSA

CONFESSO DEVANEAR-ME NOS SEUS DENTES Então você olha pras minhas maçãs e sorri quando percebe que elas ardem até o pé da orelha, bem no lugar que você beijou antes de me dizer mariposas e besouros. Não sinto dor agora, apenas quando eu me deitar sob as coxias do inverno. Elas protegem minhas orelhas da sua saliva mesmo quando eu não peço, mesmo quando meu anseio maior é me embaraçar no vazio entre a sua gengiva e a sua orelha. Agora eu falo pelas coxas. Sigo contando histórias sobre como estou cega pela luz da sua garganta surda pelo som do seu tórax muda pelo eco das suas pupilas inerte pela lava que escorre das minhas coxas falantes entoando elegias por detrás do seu pescoço, como quem enrola a língua ao sussurrar seu nome. Baixinho, para que só o desejo possa ouvir. * * * Quando a maresia cochicha velhas angústias Perdoe o medo do mar, meu bem, mas grave o vestígio da saudade, do vinho esquecido no fundo da taça. Crave os dentes sadios naquela coragem ínfima que repousa como alga

UM POEMA DE VAGNER GAVIÃO

LETAL Como cabeças de hidras que ressurgem decepadas sigo como um vírus, replicando vez após vez num toque ou sussurro. Em voracidade, avanço programado para procurar e destruir, inumeráveis vezes, sem controle. Transmuto lágrimas em estocadas. Torno mais amarga a desilusão. Flerto com o ordinário enterrado nos beijos e abraços da rotina calma, exasperante. Hoje sucumbo ao espelho e vejo que o vendaval onde passou, derrubou. Recordo que a enxurrada onde correu, escavou. Força bestial, indomável alucina em diferente dor quanto mais esgota tanto menos a fome sacia. Janto farrapos de subterfúgios: choro, me corto, vomito, ao fim vejo mais um insano A cavalgar a verdade que não enxergou.

UM POEMA DE LOURENÇA LOU

PERDIDOS todos os sons fogem e nos deixam surdos às vidas lá de fora o que o mundo diz não nos interessa não agora não no momento em que a coragem nos fecha neste quarto o desejo esta ilha que nos separa do racional desperta-nos feras : não há moralidade em nossa fome não há disciplina não há fronteiras na composição do nosso final dos tempos sua boca faz explodir minhas ansiedades lava com a língua o ventre à espera os dedos espalham ardências nos caminhos da madre desmancho-me em pornografias grito sussurro grito falo todos os lábios se abrem sedentos como terra à semente morremos não há em nós expectativa de vida além deste quarto alugado a realidade nos vem trazida pelas trágicas sortes ainda hoje seremos novamente dois seres perdidos em ruídos fábricas de sonhos roubados à soma de nossas impossibilidades. Lourença Lou

UM POEMA DE FLAVIANO VIEIRA

Homens com cheiro de árvore absorvem bem as alucinações reais das raízes e os hálitos árperos de disformes galhos que se propoem a comer gramas nada interessadas em certezas deslizantes. Homens com cheiro de árvore preferem os desdizeres que não sabem nem se exigem saber. No caule mesmo dos encontros inventados da desrazão presenciam invenções. Os braços de pegar seguram sentidos e a busca de reflexos soltos em luz é destino traçado nessa intimidade se ultrapassa o tamanho das coisas em busca de seus segredos sem sentido. O caminho percorrido é sorte de Ulisses em busca de Ítaca depois de Troia incendiada. As trilhas traçadas envolvem buracos e deles surgem imagens enigmas que resgatam e traduzem símbolos invisíveis de matéria em concertos de poesia No fim é sempre perseguição de buracos da memória que abrem e fecham como bocejos da terra.

UM POEMA DE MÁRCIA TIGANI

PONTEIO Não me chamo Flor: As sépalas se foram. Restaram espinhos Dedilho semitons Que serpenteiam O prefácio do dia O epitáfio da noite Sempre exangues Tordilhos no pasto Ruminam manhãs Plasmadas de utopias Sob acordes de viola : Ponteio! Engulo com raiva Quase selvagem O moralista, a atriz A beata: todos sinistros F-A-S-C-I-S-T-A-S! Diviso entre eles O Que fagocita O que mata negros O que engole o soma: Sodoma! Fiz um juramento De ser mansa Mas me tornei pagã Deus?Há muito Já o matei em mim Ponteio prantos,dores Rastros ,veios Marcados sob pele Cravados sobre carne No alto, bem no alto Na ponta do pau-de-arara Espera- me a coragem Irmã do ódio Mãe da morte Não sobrará Messias algum Para contar a história

UM POEMA EM PROSA DE CARVALHO JR.

ALICE QUIROL Para Nelson de Oliveira Nasceu no lugarejo Água Boa, no estado de Maranhárvore, em 12 de outubro de 1983. Viveu apenas o período de dois anos, engatinhando pelas planícies de ternura das gameleiras desaparecidas. Parecia a Bibi, filhinha do poeta Gonçalves Dias. Aprendeu, nesse tempo, a proncunciar a palavra amor. Não teve muitas horas para exercitar tal morfema-imaginário, mas o manifestava em cada gesto de sua breve experiência neste lado da bolha da vida. Alice não aprendeu a andar de bicicleta. Como sua mãe, nunca conseguiu esse equilíbrio. Também não aprendeu a sambar, igualmente a mamã que nunca avançou no bailado brasilíneo para além das pernaças. O anjo de Alice joga dados, ouvindo Chopin, em uma região desconhecida acima das nuvens. Quando Alice foi embora, definitivamente, mesmo guardada a sua poesia entre os que ficaram, era uma sexta-feira de outubro de 1985. O Sol atirou seus lençóis sobre o semblante da Terra, o mundo escureceu e se clarificou em al

UM POEMA DE MARIZA MAINIERI

OLHOS NUS Antes de partirmos nos despiremos sem respostas nem perguntas Darei à você o sentido de meus olhos translúcidos. Ignore a razão. Vibraremos sem engano a sós. Desouviremos as vozes bordadas na pele Em silêncio Evocaremos o que esquecemos de lembrar. O aroma do desejo que reside no deleite da fusão de nossos olhos nus

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

DESEJOS Não sou poeta pacato que usam poemas aritméticos sebosos, como alçapões para seduzir mulher desejada. Ao contrário, sou poeta abjeto, ratazana de esgoto. Fuja de mim, garota. Eu venho das agruras da terra arrasada. Ainda sangram meus pulsos da corda que os amarrava. O que trago são nacos de nada. Não posso evitar dizer que sou poeta maldito tire de vez da sua cabeça que sou um bom moço. Não consigo ser comportado a ponto de levar pão e leite para casa, tomar banho, pôr chinelos pijamas e se acostar para ver televisão.

UM POEMA DE CARVALHO JR.

ZUNIDO Na carcaça da noite me desespero, ardo em febre, ansiedade e medo. De pés virados no leito, ao relento, sou engolido pela angústia do tempo. Penso na velha Iaiá, rezadeira morta, e um sussurro atravessa a porta do meu esconderijo de sombras. Como se falasse por um cazumbi, uma voz, caindo-me sobre os ombros, expele a cólera de um bicho: e daí? Reviro-me nas camadas do sono, meus olhos se dilatam em espanto. Choro, como em esquecidos outonos, uma dor pronunciada em esperanto. A agonia se instala nos cômodos da casa e desmaio no poço de um mito raso. Que morto é esse que me abraça, quando se revela um absurdo zunir? Uma mosca sem mãe cospe no vaso o ruído sujo, bizarro — e daí? A desdita da noite se estende, aves de mau agouro desatam o canto. Desalumiado, um silêncio geme e a lágrima desaba em contracanto. Como se o sonho morresse de pranto por uma cruel adaga que nos abre aqui: o inseto do nojo zune na fresta — e daí?

DOIS POEMAS DE LOURENÇA LOU

À BEIRA há anos não sabe o que é dormir escuta as dores de parto da noite o submundo do sangue lhe calcina as veias perde a noção da língua no céu da boca o estômago em constante tremor se deixa corromper pela fome à luz que resta aos olhos faz o inventário dos roubos garante o dia seguinte enrola-se em um corpo qualquer fecha as portas dos sentidos não lhe incomoda o cheiro dos jornais molhados nem os anúncios da meteorologia há anos não sabe o que é ser humano. PRECARIEDADES já morri algumas vezes morrer é minha fuga predileta minha próxima morte não se comparará a qualquer outra a última é sempre a mais trágica quem sabe eu me atire do alto de um poema lírico do Torres caia bêbada entre os licores e os olhos doces do Guanais promova o espetáculo de um suicídio à la Magoli ou encha os pulmões de pétalas da rosa do povo de Drummond talvez eu até desista de arquitetar uma morte apenas me deixe boiar na hemorragia ca

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

UMA CANÇÃO-ESTRELA para  Fátima Castro ofereço-te esse figo maduro quando repartido igualmente desprende o lilás do orvalho em vigília o roxo dos lábios mordidos em fomes a nudez de um seio em vertigem aceites amiga essas migalhas são meus tesouros os restos as verdades reinventadas a carícia na voragem das palavras acesas por isso te escrevo essa carta guardada de silêncios ardentes e o cansaço afagando a ternura cicatriza na pele um rio que corre carregando em redemoinho sua tenacidade a rudeza o avesso o efêmero sal a secura das sedes o mantra que ecoa o que navega invade e dispersa e serena ofereço-te tão pouco só sobras lembranças idas e vividas meu bem-querer minhas alegrias leves quase diminutas cabem nos cílios nas raízes debaixo das unhas no pó onde há caminhos no sopro que forja o irreversível te ofereço essa canção-estrela feita dessas miudezas e delicadezas lapidadas na luz fugaz que nos inquieta somos fractais menores

UM POEMA DE MÁRCIA TIGANI

ODE À GATA Ginasta indizível Minha camarada De olhos verdes Como contas de vidro A analisar o mundo A  absorver o universo Eu, à frente de teus bigodes Na textura dessa vida incerta Soube, pelo teu olhar Que só tu me conhecias Tu, que me falavas Por telepatia felina Dos mistérios do além Tu, flama e veludo Caramelo e mel Intercalados em listras Tu, na fluidez de patas em plumas Por entre finos cristais Justo agora, quando o mais tenebroso Inverno  já se anuncia Tu( como todo gato) Decidido e livre Muda-te para a morada De felinos nas ilhas do tempo Eu, entre coisas terrenas Em meio a fraturas humanas E  lutas exangues sem trégua Sinto tua ausência doída E tua alma secreta Que vive em mim.

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

TIRO Se meus truques estão gastos, já é hora de reaprender outros. Guardo meus documentos, só o passaporte mantenho à vista. Entranho de vez queixas de outrora, choradas e sepultadas no passado morno. Tudo ficara em Madrid: cores pessoas, Margarita: a felicidade. Arrependimento é tesouro enterrado, infrutífero, incômodo. Se lacei o cavalo errado, não me culpe. Vide minha especialidade em cowboys. Cantar Lampião e Maria Bonita é bem o que falta nesse sertão. Antes do final feliz, desengatilho a pistola sobre os gritos da infância. E se calhar, recolho aonde couber a criança perversa que eu fora um dia.

UM POEMA DE CARVALHO JR.

UMA FLAUTA PARA DÉO SILVA E BRUNO CATALANO Há um buraco, bem fundo, na sombra que me acompanha, e mais um na corcunda hereditária que me descansa nas costas, e mais um no coração aleijado da Rua José Feitosa Mourão, e tantos mais, inumeráveis, no útero seco do meu cadáver. Algumas das lágrimas que escondo, sem lhes escandir as sílabas, trabalharam, sem greve, nesse esburacamento do mundo. Sou, ainda, aquele menino teimoso, adiando o dia de ir embora de casa, da casca, da margem do rio. Serei um viajante de Catalano, em corrida para a secura do mar, antes que as arcas ocas da noite se abram? Uma criança, sem olhos, encontrou uma flauta — a mesma que faltou ao muro de Déo — em um corpo de estátua, aberto, na praça, oito séculos depois da minha última morte.

UM POEMA DE TELMA SERUR

PERIPATÉTICO Ouvir. E ver. Ou vir? Vir Ou ver? Ouvir. Ver: Dever Ou Devir? Vir sem ver. Ver sem vir. Ouvir sem ver. Ver sem ouvir.
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