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Mostrando postagens de outubro, 2020

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

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  MÁQUINA DO MUNDO nada se compara a esse entardecer a lágrima do sol avermelha o rio sem culpas esculpe desejos no silêncio mas quem verdadeiramente se importa? e no entanto essa beleza impregna de avessos a delicadeza que finda na luz que se despede tão pouco ofereceu esse dia que parte talvez um minúsculo fragmento de folha sendo levada sem rumo pousou seu desvelo aos meus pés e depois partiu em frêmito alucinante mas quem verdadeiramente se importa? entretanto agora nesse porto esvaziado de opacidades desprende cheiros familiares algo não tangível porém me escapa seu sentido se há algum transborda preso na garganta do tamanho de um navio atravessado mas verdadeiramente alguém se importa? a escuridão chega e nos abraça implacável vislumbro longe às fragilidades que o mundo sussurra despido do tempo que o dia me furtou reparo nas indeléveis cicatrizes que os cravos dilaceraram no centro das mãos e nesse exato instante revela-se a epifania das infinitudes perfumes óleos avelãs a mirra

DOIS POEMAS DE LOURENÇA LOU

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  2019   nunca o dia um trouxe tantos dolos incertezas intolerâncias   nunca o dia um trouxe tantos apetites devassa violência   minha esperança anoiteceu sob cumulonimbus   reacionários vestiram-se com vestes de um jesus neorracista   arminhas viraram gesto-símbolo de infame fábula fascista   minha esperança dormiu insone na insanidade.     MENOSPREZO SANGUÍNEO   viu o filho amanhecer sangue nos olhos medo nas mãos   viu o marido anoitecer revólver nas mãos ódio nos olhos   medidas protetivas não evitaram constante vil violência : escárnio ferida terror   naquele 25 de agosto sob olhares impassíveis das muitas mães de cristo ajeitou-se majestosamente na cadeira de rodas   com dedo no gatilho menosprezo sanguíneo venceu todos seus vícios   desta vez se efetivaria a lei maria da penha assim sem final feliz.                      

TRÊS POEMAS DE CARVALHO JÚNIOR

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MÃE NÊGA depois de dois milênios debaixo da mesma pedra  que escondia um cascudo  em alto perigo de extinção,  Mãe Nêga dos Cipós acorda. a pele não lembra de dor. ferida é apenas um sonho.  toda rija e alta na postura, toca uma harpa de barro e sorri em língua estranha.  Mãe Nêga gosta das penas pardas da saracura-do-mato,   da fogueira de pirilampos que arde nos seus cabelos. Mãe Nêga é uma mãe-d’água, mãe de um mundo em argila, onde não há calos de mágoa, onde nascer é muito antigo.    Mãe Nêga cospe nas faces da morte, dança em roda a canção do ineterno dia, parece uma índia mansa, a mãe negra e humilhada do poeta Gonçalves Dias.   Mãe Nêga tem peixes  atravessando o corpo como uma personagem na tinta de Afarin Sajedi.  — Mãe Nêga, vem me buscar! — Mãe Nêga, vem me tirar daqui!  FAROL dúvida dentro do olho: a sabiá no semáforo, pássaforo ou semássaro? JORRO catarata é quando toma banho o rio  na criança-acrobacia.   TEORIA DO HAICAÇU quero um poema que possa flertar-flechar, fecho-

DOIS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  ODOYÁ Seu vestido  rodopia a voz do mar. O corpo  ondula o ar dança. Guarda conchas e pedrinhas,  na porcelana azul. No branco da mesa  pato peixe canjica,  oferendas a rainha. Na África mulher de Oxalá.  Saíram de Inaê Olokun Oxóssi Xangô Oxum. Mãe dos seios úmidos uma Sereia Rainha do Mar PAPOULA nascida  beira palácio boneca  luxo pelúcia vida  fome astúcia flor  abismo opiáceo tempo gira encurva tinge  cabelos medusa tece nota semifusa abraça noite turva crescida magra airosa codeína cor-de-rosa  transe corpo solidão foge  eterno retorno  subterfúgio  desadorno morre  a cada trovão.

UM POEMA DE PAOLA CRISTIANE

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  MARIA Persigo meus passos  Entre as telas Meus olhos gritam: - Caravaggio Eu viro vulto. E meu processo sinestésico  se inicia. Coloco-me frente à pintura. Começo devorando as formas, Depois as linhas, luz, sombras e cores. A mordida é doce.  Às vezes romper a imagem  exige o esforço de comer a maçã,  às vezes com a leveza do pêssego. O ato de degustar é inexplicável, único. Logo tudo está dentro de mim. Com Maria foi diferente. Na primeira mordida não rompi as formas como do jeito usual. Quando mordi suas linhas, meus dentes derreteram. Fui sentindo como se eu  me desfizesse inteira em suas sombras e luzes. A sinestesia foi longe  e tomou forma. Tinha cheiro de chuva, gosto de laranja-lima. Tinha voltas e mais voltas, picos, uma ideia louca de movimento. Era horizonte, era brisa. Som de concha, pele em seda. Devorei, num processo mimetizado. Mas há belezas que escondem linhas tortas, desajustadas. Ainda que belas,  trazem no fim o fel à língua Seus fios enrolados em carmim  pintaram

UM POEMA DE ALÊ SAFRA

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  LEVANTE não morro amanhã se ontem ressuscitei o saber do gato é um segredo no colo da cordilheira no passo do tempo morte é a mentira do norte uiva a patagônia festiva nas cores da mulher andina   montanhas frias sibilam justezas não morro amanhã se ontem Pachamama em seu colo me fez novamente selvagem

UM POEMA DE MARLI FRÓES

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  CAÇA ÀS BRUXAS Os algozes uivam na noite  pintam a caricatura  de nariz adunco vassouras, verrugas reverberando.   Na surdina devoraram  corações expõem os dentes  vorazes  em sadismo dissimulante   Os algozes   varreram as mulheres  desde a sua  raiz primeira  em Eva ou Lilith e continuam a devassa nas praças,  redes sociais salas de aula Juízes chinfrins leram o martelo das feiticeiras  a caça às bruxas continua. Mal sabem que elas, as bruxas,  São alquimia: vestidas ou nuas, ressurgem,  ao sol, brisa  ou lua.

UM SONETO DE EDIR PINA DE BARROS

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  PLURAL Eu não perdi no espelho minhas faces, carrego em mim aquelas que eu vivi. Não sou apenas quem está aqui, contenho tantas outras interfaces. Resulto de mil tramas, entrelaces daquelas que já fui, de quem saí, de todas que deixei, quando eu parti, a carregar as marcas dos impasses. Não sou nenhuma dessas refletidas, transporto em mim a essência de outras vidas tramadas, entre si, por nós e laços. Em cada qual eu trago   a própria história, sou síntese de todas, na memória de suas lutas, glórias e fracassos.

UM POEMA DE JOSÉ COUTO E CARVALHO JUNIOR

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    TOTEM V   a insustentável caligrafia da pele, sublimado sopro do silêncio-grifo: o pássaro se estica no barco da nuvem, acendem-se os apitos da floresta íntima. grava a ave uma flauta no firmamento com a brasa de sua áspera plumagem? ou tinge de ecos azuis noturnos a concha encostada dentro, inquieta, cicatrizando? a terceira margem, as palavras imprecisas, o que foi árduo e lapidou, a incessante luz: o horizonte bebe um feixe de sol adornado com lâmpadas brancas de surubins e xexéus.   quantas águias e faraós no farol dos olhos dela? quantas serpentes domadas em nossos lábios? quantos adágios nos inundam de labirintos e gozos? quantos ruídos de fel no caminho rompendo névoas? ARTE : Artur Madruga.

TRÊS POEMAS DE CARVALHO JUNIOR

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  CIGANA ACROBATA Ó tijubina, lagarta do mato, arco sagrado das minhas janelas, infâncias ardem em tua cauda,  rabo teimoso do chão de malícias. Amo a disciplina da tua fuga,  do teu chicote amarrado de pontes, cigana acrobata, graça na areia, em cada cipoada doze pélagos.  Dança assim nua nesta frágil manhã! Menina índia me embira na ginga, bebo o melão com mel de tua língua. Sou tijubinocentrista incurável, amor aceso, voa sobre os verdes.  Miro-te sempre em meus morros de pedra. GAIOLA a gaiola abriu a asa no peito da ave : o pássaro sorvia o próprio sangue numa taça com as gotas guardadas pelo tempo que o tomou de ser livre. a gaiola maldizia o feitor e os seguintes no ciclo de prisão;  a gaiola se pensou um curió, fez-se gaiolássaro de bom canto; a gaiola se desgaiola de si, dá-se de beber um amigo ao outro, um voo de sonho se desenverga. nenhum espantalho amedronta mais. gaiolássaro e passariola se amam, como ensinam poetas sobre a vida. FORTUNA do meu pai, uma faca de desossa. d

TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  A QUASE GEOMETRIA DO VULTO ela surgia em quase dia. esguia. quase elegante. na anatomia  incerta de uma bacante. coisa informe. conforme a quase  geometria do vulto.  ela sumia em quase noite. fugidia. quase tão rapidamente como  surgia. um vulto. um raro espanto. um susto. num quase surto  de melancolia. o quase sorriso na face e o negro soslaio era quase o  cumprimento da chegada. e o segundo exato  da partida. (nesse intervalo halos de sonho e silêncio. palavras  servem apenas para registrar momentos). A PLANA GEOGRAFIA DOS ACIDENTES Bem aqui nesta esquina o desejo  e a dúvida da ventura. A geografia plana  dos acidentes na plena urgência das horas.  Aqui é onde eu sempre te espero entre as paisagens de concreto e os sinais  intermitentes na rotina insana dos dias sobre os escombros da cidade. Aqui nesta precisa esquina desse prolongado instante  alguma coisa em mim ainda resiste além dos desfeitos planos. A promessa concretizada nas palavras escritas  a ferro e fogo nas linhas co

TRÊS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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DESTINO ZEN esta cama vazia vazio  este quarto esta casa vida vazia viagem  avião destino vazio  eu vazio VIAJANTE Essa via de vai e vem  nem sempre viva  segue vendo  suas margens  lhe traçar o rumo  e a buscar os movimentos  de suas voltas cardeais.   Ainda o olhar doce a correria derramada  pelas curvas da planície  voraz quando cânion.  A casca de noz  flutua leve  nas grandes águas.  E o porto  naufrágio aportar sem limites:  em distâncias traçadas  pelas mãos trêmulas  do céu ao porto.   O tempo  o leme  o manejo do timoneiro. Muita sorte e algum juízo   - próprios do viajante –  vontade de chegar e de não chegar.  TEMPO LEVOU à cicatriz sem memória  cara quebrada no espelho Murro na ponta da história  Se não rezo, não me ajoelho Sem escapes, não despiste ouro de pobre no nariz levar duro o dedo em riste é purgar o resto do pus Transmutação sobretudo faca de louco não se afia se daqui logo me mudo não sei quando todavia Peço ao rio: arrebente navego o dia sombrio a jorrar o gozo

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÃNCIO

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  VÊNUS NEGRA na rua da mulher sem cabeça a cabeleira afro-caribenha mistério erótico na tela de Manet  o mar a deixou em Paris beleza crespa sensual  amante das amantes palco cor e estigma  a mulher do dândi  assistia às prostitutas  de nossa senhora  lorettes expatriadas  futuras mães  da belle-époque  a beleza da pele  agrava a nobreza  o poeta e a atriz  cristalizam o ódio o perfume exótico  na cabeleira  uma serpente  que dança na varanda onde nasceu?  quando morreu?  onde foi enterrada? outro dia caminhava na rua da senhora sem cabeça para buscar o amante poeta  corroído pelo ópio e haxixe com as flores do mal  numa das mãos DIVAGAÇÕES COM LEMINSKI quando a fome  for passado  tudo o que se diga será poesia   quando o amor  perder os gêneros e a moral  ceder ao desejo quando houver  a consciência de que todos somos  tudo então cada palavra  por ser palavra dita  será  poesia viver será poesia pensar será poesia  morrer  continuará sendo  a última poesia nesse dia  tudo que se diga

DOIS POEMAS DE LOURENÇA LOU.

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  ANTES DO NASCER DA ESTRELA meu amor foi roqueiro sub-estrela da insubmissão carregava furor nos dedos  resistência nas notas que compunham sua vida seu cheiro de marijuana misturava-se em meu corpo seus desacatos ao arbítrio nos levava de mãos dadas ao porão da história meu amor nasceu poeta de um Brasil sem poesia não conheceu Cuba não se exilou em Essen sequer teve tempo de fazer catarse em canções de represália ilegitimar-se à direita nos festivais de rock’n roll viver josés e joões  nos domingos da tropicália meu amor perdeu o brilho muito antes  do nascer da estrela. QUEM ALIMENTARÁ OS GATOS? dor no dente siso gelo saudade pelos unhas fazendo farra no resto do travesseiro lua furando cortinas silêncio sirene pardais  às vezes existo demais passaporte me olha  com cara de ironia sua mudez  atormenta meus ouvidos não consigo me resolver  a fazer o check in - quem alimentará os gatos? chuto medo mala saudade  reorganizo fotos e fatos abrando a violência do vento nas flores do meu v

DOIS POEMAS DE CARVALHO JUNIOR

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  GAIOLA a gaiola abriu a asa no peito da ave : o pássaro sorvia o próprio sangue numa taça com as gotas guardadas pelo tempo que o tomou de ser livre. a gaiola maldizia o feitor e os seguintes no ciclo de prisão;  a gaiola se pensou um curió, fez-se gaiolássaro de bom canto; a gaiola se desgaiola de si, dá-se de beber um amigo ao outro, um voo de sonho se desenverga. nenhum espantalho amedronta mais. gaiolássaro e passariola se amam, como ensinam poetas sobre a vida. CIGANA ACROBATA Ó tijubina, lagarta do mato, arco sagrado das minhas janelas, infâncias ardem em tua cauda,  rabo teimoso do chão de malícias. Amo a disciplina da tua fuga,  do teu chicote amarrado de pontes, cigana acrobata, graça na areia, em cada cipoada doze pélagos.  Dança assim nua nesta frágil manhã! Menina índia me embira na ginga, bebo o melão com mel de tua língua. Sou tijubinocentrista incurável, amor aceso, voa sobre os verdes.  Miro-te sempre em meus morros de pedra.

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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  ROLETA RUSSA roda de pau roda quadrada couro faísca borracha metal chamas acesas cabeça nas nuvens solo de pedra mergulho nas águas lábios cerrados testa franzida cheiro de mato rastros perdidos asfalto de sangue lágrimas caídas céu pedrento vultos mascarados noite americana todos os riscos vitrine de surtos uivos decibéis encontro de bafos fuga de caras troca de tapas rotas perdidas na massa dos olhos sussurro cansaço jogo acabado ninguém amanhã nas telas rasgadas arte frustrada paisagem urbana retrato de marte

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  JOÃO E MARIA   João 4 anos corre nos becos nas ruelas. Ligeirinho sobe a ladeira desce o barranco. Cão vira-lata carrinhos de lata mamãe cata lata.   João não faz anúncio na televisão.   Maria 4 anos brinca seminua, entre padieiras apertadas, desce escadas sobe barracos. Boneca do lixo livro luxo livre lixo mamãe cata lixo.   Maria não faz anúncio na televisão      

UM POEMA DE PAOLA CRISTIANE

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  NUNCA Aquele cheiro ferroso trancava as narinas. O andar travado  pelo bastão em seus ombros. Olhares opacos, pedaços. Cabeça baixa mirando a morte. Urrando em silêncio por repouso. O que era família?  Filhos? As mãos engrossadas  pelo tempo. Se tivesse a sorte  de tê-las. Dizem vinte horas? Quatro horas lhe sobravam. Não, nunca sobrou nada. Nem comida, nem sono. Nada coube em suas horas. Ele não cabia em lugar algum. A carne é preta,  comida de cachorro.

UM POEMA DE LOURENÇA LOU

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  TORPOR violinos de stravinsky meu desfrute  de amor meu vinho  sagrado trêmulos pulsos juramentados anseios encapsulados  no tempo  dos meus seios corpo-porto de toques prismas da dor  desinvenção de poesia mania de tantos cantos desencantos a dinamitar poros  e fluir torpor em trôpegos poemas de desamor.

UM POEMA DE SIDNEI OLÍVIO

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  A QUASE GEOMETRIA DO VULTO   ela surgia em quase dia. esguia. quase elegante. na anatomia incerta de uma bacante. coisa informe. conforme a quase geometria do vulto.   ela sumia em quase noite. fugidia. quase tão rapidamente como surgia. um vulto. um raro espanto. um susto. num quase surto de melancolia.   o quase sorriso na face e o negro soslaio era quase o cumprimento da chegada. e o segundo exato da partida. (nesse intervalo halos de sonho e silêncio. palavras servem apenas para registrar momentos).

UM POEMA DE REGIVAN SANTOS

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  ante a música arde o peito os profetas do sono gritam o sono extirpam o sono e os ventos batem forte vozes dormentes nos corredores  do anoitecer à espera do vicejar das horas ao sentir-se só encontra  o início  o encanto o emplasto nas mãos do regente do mundo

UM POEMA DE ALÊ SAFRA

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  tem um além ali que te faz rir de alegria aqui um alecrim raiz em paris acena  da ana cena  e faz biquinhos aqui, aquém  fotos curry do seu além que te faz rir na raiz azul do alecrim ana-me. ana-me derespeitosamente ana-me alegria aqui é anar-me de azul tocar biquinhos com biquinhos além aqui aquém aí e rir de anar-te os ossos de curry raiz em fotos um sol paris além aqui

DOIS POEMAS DE LOURENÇA LOU

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BICHO ESTRANHO vazia de si  e do que imaginava ser viu-se vingando da orgia de vômitos números indecisos  na balança grilhões de morbidez  em suas pernas alface esverdeando  a lucidez da pele com a tesoura  creditando sua coragem rasgou o fascínio  das artérias azuladas confundiu cianureto  no vinho tinto sonegou o dedo  à garganta viciada libertou o estômago  para o enredo final as gotas lacrimejavam na banheira em suas entranhas o cianureto era rosa de fogo a explodir fagulhas de liberdade agarrou-se  à libertação das burlescas passarelas onde plantaram  um sonho inventado fechou as asas do olhar  e se apagou : bicho estranho  à vida que lhe coubera. * * * antes que eu pudesse colher as flores da agave o outono chegou descobri a rebeldia das pétalas nas cores que cobriram a calçada.

UM POEMA DE CARVALHO JUNIOR

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  XIV δ.  quando o dente da estátua nasce estrelas, ela, Rebekah-95, me pede fundo silêncio. nua, no folclore aramado do meu olho, a robô hippie voa como uma pipira azul. nossos fios de alumínio se embiram à noite. nosso filho, umbigo de titânio, está carregando. jantamos, hoje, à luz de lamparina AF-575883, para festejar, com amor, nossas bodas de marfim. ζ.  sou um boneco de barro negro nos dedos de Rebekah. ela, a minha gazela-dorcas e solar cacimba de Calyptra.  nosso beijo não perde o saibro da uva e da sucupira, nossas almas se enviam bilhetes por ímãs de sapucaia.  minha deusa-mulher-máquina, companhia das veredas,  somos androides híbridos, com a lira em arrebatamento.   tocam-nos os cânticos bíblicos do vate-ciborgue Salomão  e os mimos que trocamos são o espelho da nossa juventude:  um colar caroço de mucunã e um livro de Torquato, um disco da Gal e uma pulseira semente olho-de-pavão.  θ.  o riso de Rebekah é uma pirâmide de peixes e pássaros, santuário dos meus futuros quebr

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  PARADIGMA    Interespaço utopia e sonho terapia transporta ao ápice insiste diferente a mesmice enquanto persiste o estranho arquiteta justeza e punho impossível concreto vórtice objeto imerso ébano cálice enigmático abjeto testemunho colapsa entorpecente espaço  entreadivinha ilapso e diamba  compasso ultraje risco traço pragmática antítese genética proto-sintese corda bamba  descompasso moral e ética

UM POEMA DE SIDNEI OLÍVIO

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  1. tudo o que num momento se engendra  depende do desejo de se entregar ao desejo um sentimento liso como a lâmina  que se agarra ao fio por razão e limite que se posta à quina da sina  e obriga a ganhar rotinas  e a gerar tempo para sermos nós mesmos (é sempre este o maior problema)  a vida é basicamente o que fazemos  com o tempo na esquina um lugar onde o tempo  permanentemente duvida  da palavra branca que se tinge de ansiedade  na contínua sílaba aguda da dúvida o tédio de viver e a escolha do caminho ainda na esquina  um bêbado célere e trôpego  entoará algumas passagens da carmina burana (durma com essa) 2. eu fujo do clima recuso a esquina e recluso  me adentro de pijama eu não existo é por esta e outras ausências  que me despeço do passado  e me junto à solidão daqueles  que me viram passar vou me lembrar por vez dos tempos idos eu sei  com muita vergonha e arrependimento  mas também com muita coragem (coragem repito) escrever é a única coisa que eu bem ou mal ainda insisto

DOIS POEMAS DE DANIELA PACE DEVISATE

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CAMAFEU a rosa púrpura colheu o inverno na fenda fulva a lua em casulo pulsa nenúfar de neve a vulva antiga jóia antes rubra ESTRELAS a lua de primavera antecipou os trajes suntuosos do verão desfilava de dourado carregando um bauzinho repleto de lágrimas que ela fazia passar por diamantes mas tropeçou na barra do vestido a tampa do baú se abriu esparramando as lágrimas cristalizadas

ESCOLA DE ESCRITA CRIATIVA: CONTO, NOVELA E ROMANCE

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EM NOVEMBRO, A ESCOLA DE ESCRITA CRIATIVA iniciará um novo curso on line aos sábados, das 15h às 16h, ministrado por Claudio Daniel, sobre a prosa de ficção. Serão apresentados conceitos e processos criativos relacionados com o conto, a novela e o romance, além da leitura e discussão de textos de autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Kafka, Júlio Cortázar, entre outros. O curso, que incluirá ainda a análise de textos produzidos pelos alunos e sugestões de como publicar e divulgar um livro de ficção, terá a duração de dois meses e a mensalidade será de R$ 60,00. Interessados podem se inscrever ou solicitar mais informações pelo e-mail claudio.dan@gmail.com.

UM POEMA DE CARVALHO JUNIOR

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  O GÂNGLIO DE CADA ENGASGO   O corpo caído me sonha um rio, e levita como alvíssima nuvem. Às vezes,   é um lagarto sofrido, um touro caxingó que já não muge.   Quando o corpo se perde no caminho, quando para dentro ou além é rasgado, dói a pestana do olho mudo do espinho, geme grave o gânglio de cada engasgo.   O corpo sonha com a unção da índia, em se acordar para uma pele nova. O sopro de arribação de uma ninfa, a alma do corpo, então, se desemborca.   O corpo nem sempre se sabe corpo, é o corpo a fera que rói o próprio osso.  

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

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  CARURU E SIRIRI   salve ibejis! cosme e damião! vai lá entra no círculo de erês! vai bater cabeça pra zambi   sou filho de nvungi angola congo queto! omi beijada!   sou nagô omi beijada! sou fogo ar água purificada beleza travessura quindim cocada sou filho de qualquer orixá omi beijada!   pula dentro pula fora omi beijada!   gira no siré omi beijada!   olélé olélé moliba makasi!   jose couto

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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  CIRCUM-NAVEGAÇÃO   Olho a noite distante e sigo andando rumo à casa. Onde estará aquela manta roxa no céu? Era geografia natural, à minha frente, cadê tinta e luz? São imagens organizadas a um custo mais baixo do que o bom gosto estético.   Quadros se sucedem e compõem um belo conjunto. A silhueta dos morros, O perfil romântico da canoa e remo. A sombra se faz verde e gris a receber raios violáceos do sol a se pôr. Portal iluminado para a chegada da noite de lua cheia.   Casa grande em escala nobre enche a paisagem nublada no recorte das montanhas. Sobressai ao fundo a relva molhada entre musgos desfocados. É fotográfico tudo ao redor, panorâmica de 270 graus, a conduzir em alas do vento sul a experiência visual-sensorial desta circum-navegação doméstica: uma lagoa dentro da ilha.

UM POEMA DE LOURENÇA LOU

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  PASSOS em seus sentidos mutilados os horizontes escorrem espessos como se os anéis de saturno  se alinhassem  confusos aos últimos raios de sol no cansaço dos passos  a tentativa de se unir ao universo o homem caminha  olhos alaranjados de finais nos bolsos  mãos medos silêncios se enlaçam esmaecidos e preparam as cores de outros e novos passos.

UM POEMA DE MARLI FRÓES

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  T(l)EMPO DA PELE Olho de ventania atravessa tempestade e me abre os olhos,  poros,  orifícios. Nem sempre um banquete  que enche os olhos abarca coração e alquimia. Minha vontade é criadora A vida, em mim, não hesita excita! As veias abertas  à faca  se fecham,  vaza a memória da cicatriz  que não tem pedigree a dor, esquecida, grita  a necessidade de outro caminho, alinho.

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  PONTO 45 o   sol  espreita  pelas frestas. a neblina acalenta os óculos escuros. pingos lacrimejam o dia.  ando ao portão entreaberto. a lembrança entre rasga  a voz.  no silencio, o cheiro de flores  e mármore. a chuva fina o arco-íris despedem-se da manhã. a terra  cobre  o corpo. Sem chão, prendo a memória. mudo a cama de lugar,  abraço o travesseiro. guardo a munição  ponto 45. ouço Lupicínio Rodrigues e choro.

UM SONETO DE JÓIS ALBERTO

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  XAMÃ Dos conceitos de origem pagã, antropológica ou algo mais,  xamã é magico, fraterno imã  ou ser de sinapses normais.   Diferente de feiticeiro  (bem ou mal entendido)  e de maldito aprendiz,  gozou rituais e foi feliz.  Autêntico de lua da Ásia ou tipo América anagrama de Indigenista poesia...  Pajé, um cacique em poema,  de pensamento selvagem  ou carnavalizada sacanagem! 

UM POEMA DE REGIVAN SANTOS

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  Turvos dias cobrem nosso tempo refluxo da existência  fábrica de espanto. Paira sobre o pantanal o rubro terror encravado nas sombras que fogem da morte. O fogo é jagunço arredio mourão queimando à tapa olho fumaça que habita o verso lança dos perversos nos corpos sob o paiol.