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Mostrando postagens de março, 2021

HOMENAGEM A CARVALHO JUNIOR

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  PÁGINA EM BRANCO   Palavra é lâmina exposta. A letra também. A metade da letra, idem. A dor da letra talhada é encenação do além. O corte do poema é. O poeta, então, passa a ser o que deveras sente. Quando cai aos céus na lenta volúpia da ida ao irreal. Passa a ser corpo de algaravia. Esquece o vazio da página em branco, que suporta o mundo. Faz-se elipse. Toma para si o limiar dos silêncios. Maurício Simionato   A EFÍGIE DA NOITE   A morte ecoa no vão da porta eleva os cabelos do corpo estranho e lentamente senta ao lado do amigo.   A morte ressoa nos quatro cantos do quarto caminha no chão despido e louco e deita ao lado do amigo.   A morte é a efígie da noite sopro chapiscado no horizonte apaga o ruído da rua e o amigo já não existe. Regivan Santos   BILHETE A FRANCISCO CARVALHO JÚNIOR   (em memória do nosso irmão que partiu hoje)   Repara, meu irmão, como andam claras estas manhãs de março, e esses

DOIS POEMAS EM PROSA DE SIDNEI OLÍVIO

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  NÃO HÁ REGISTRO DAS NOSSAS CONVERSAS NO ESCURO   Palavras tecidas no acaso da hora. Sussurros subversivos, caindo sobre a marginal de 77 (aqueles anos indômitos). As noites deixaram apenas rastros das imemoráveis fugas dessa época obscura. Lembro-me de uma esquina de geografia inexistente: lá, engendrávamos intenções de futuro. Confrontávamos o real para compreender a realidade. (Outro rastro apenas, que não pressupunha dádivas, mas dúvidas de que a vida era mesmo verdadeira.) Como nenhum diálogo produz veracidade, acabamos por entender que tudo não passou de panfletagem. E devaneio. (Enquanto isso, no jardim paraíso, ela despertava uma sensualidade imprevista para quem vende desejos e, como nós, não tinha nome.)   SEM NOSTALGIA   Mesmo longe do bar, toda noite acabava em bebedeira. Salvamentos clandestinos. Mantras de canções censuradas. A afinação da capacidade de se ajustar e juntar as pontas das cordas, para dar um laço na história. Era escolher um lado e enchê-lo

SETE HAIKUS DE MARIA MARTA NARDI

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  estrada à frente lua desta noite meu lume   dia dos namorados – faço versos a lua, toda prosa   entre um silêncio e outro – latido de cães   mudança de casa – malas fechadas nenhuma saudade   na beira da janela canto de sabiás – hora de levantar   noite escura – lua em dobro ilumina a casa   meu desejo num piscar de olhos – estrela cadente

UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO

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  HERMENGARDA     à noite morcegos cagam na varanda da sala as pessoas futicam a fenda duendes e ninfas sangram a terra as bananas apodrecem na fruteira galos-enfeitados na geladeira   ela borrifada de sangue desofusca-se através do espelho   - um grito pariu - ametódicas cabeças-secas descem das árvores explodem na cara de hermengarda   nas mãos concreto-morto-rebento

DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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  CAÇA   O poema é um animal que não pensa.   Um bípede que choca seus ovos em meio a palavras nem sempre quentes. Às vezes frias, geladas até.   O poema é um mamífero de oito patas. Caça sua presa na calada da noite.   Ao meio-dia sente fome de carne crua. E pede um prato cheio de linguística.   Ele deseja metáforas, metonímias, antíteses, hipérboles.   O poema gosta de aparecer, quando não está esquecido na gaveta de poeta.   O AR, A LUZ, O VENTO   Nada se perde destes valores da vida não se perde o ar nem a luz nem o vento   todos recebemos no corpo estes elementos   o ar   a luz o vento   sem vento e sem luz até se vive algum tempo     mas sem ar todos morreremos nesse momento  

UM POEMA DE CELSO VEGRO

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  ESPLENDOR   Em devoção sincera ao altar de vosso templo levava: primícias das colheitas e a flor dos rebanhos.   Porém, - inefável trindade - a oferta que esperais, aquela que estanca a sede e farta a fome (das inquietações do coração) consiste em adorar seu esplendor.

TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  RAÍZES AÉREAS   Você que do Norte não fez volta, volte-se agora a esse pombo-correio, essa garrafa de náufrago, esses sinais de fumaça e sons de tambores telegráficos. Segue notícias daqui, onde tudo ainda é passado. Onde minhas raízes aéreas, entrelaçadas nos fios postais, reverberam esquinas perplexas. Onde a vida balança pendular sob a linha do equador. Nada muda nesse horror tropical. Não há vestígios de crisálidas rompidas nem da última ecdise das cigarras. Mudas, apenas palavras e ânsias de metamorfoses. Dessemelhantes, as manhãs despencando frias e a peste que recrudesce. As formigas continuam em romaria invadindo calçadas. Aves e onças migram para as cidades, fogem das matas que ardem aos anseios dos que se arvoram donos do amanhã. Se as manhãs persistirem, mande notícias daí. Diga se nesse rito existe mesmo a passagem para o novo ou se a novidade é a mesma velha notícia, diferenças mantidas em novas crenças. Diga se existe triunfo para quem cruza o Arco. Se o T

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  O TROVÃO NÃO FALA COM O FARFALHAR DAS PALMEIRAS   vestida de pântano ossos de carneiro pelo corpo salpicada de osun     um andar lento penoso parece tingida de sangue     dona do ibiri não dorme tem sede de sangue dona do rio que come muito corre ao contrário   orixá que não se vê decanta a vida faz a morte faz o bem divide a guerra em dois tem a cura sem usança de remédios faz o que bem quer   no olho da morte não se pode olhar sabemos o que ela faz não o porquê a chamamos em casa em todos os lugares   ela passeia   o dono chispa da casa o estrangeiro foge ela se diverte acolá mata gente aqui as pessoas riem   ave de rapina, está no mundo todo mata uma cabra sem utilizar faca com uma pedra de raio mata as pessoas faz uma cova detecta os ladrões evita epidemias torna as mulheres fecundas     Salúba! Nanã dá alegria ao mundo Salúba! Nanã desperta na alegria Salúba!     Gloss