POEMAS DO PANTANAL


REVISTANDO O PANTANAL


o cervo-do-pantanal berrou água

a onça-pintada urrou fumaça

arara-azul grasnou homem

jacu-de-barriga-castanha

cantou a desolada aridez


ariranha regougou aspereza

anta assobiou labaredas

jacaré rugiu fogo seca 

sucuri sibilou destruição

lagarto gelou desmatamento

capivara e o tamanduá sem forças

não silvaram queimados


Jose Couto


IPÊS-ROSAS

deus não esteve nas entrecascas amolecidas de seiva dos troncos sulcados das peúvas quando elas se incendiaram, no pantanal. o fogo não veio dos raios que as chuvas trazem. os homens fizeram o fogo para espantar os mosquitos. os homens fizeram o fogo para renovar os pastos. os homens fizeram o fogo para o seu agronegócio. para o seu agroenguiço. deus não esteve com as rosas senhoras florando, suas folhas caindo, compostas, oblongas, demoradas. nada havia entre elas, as ipês e a seneh do horeb, a tal acácia, em chamas, não consumida. não consumada. não era uma visão, um enteógeno, uma miração de moisés, uma revelação divina, uma passagem do êxodo, uma chacrona, uma sarça ardente não crestada. eram as tabebuias. as ipiúnas. viu-se, ali, o próprio deserto que não precisaria ser atravessado por não haver terra trópica prometida.             

Iolanda Costa


MAR DE XARAÉS


Sua geografia ainda guarda

contornos da alma do mar.

Pois aqui tem palmas e conchas,

areia e sal, tem até algas marinhas

no verde selvagem do chão úmido.

Tem mar na vegetação típica

e no reflexo azul do céu nas águas.

Os movimentos das nuvens são

como ondas na praia.


O Pantanal um dia já foi mar,

diz a lenda: mar de Xaraés.

Essa narrativa tem um fundo de verdade,

toda nas mãos da ciência.

Neste mar tem peixe e tem boi.

Tem pescadores e caubóis.

Suas águas vêm da Amazônia, ao norte.

Do Planalto Brasileiro, a leste.

Da Cordilheira dos Andes, a oeste.


Rios, riachos, charcos, baías

inundam três quartos do Pantanal.

 A caudalosa Bacia do Prata.

Águas que se encontram

com o majestoso Atlântico,

ao sul do continente.

No colo fértil da mãe natureza,

águas doces e salgadas se misturam

em outros três quartos de água,

agora do planeta por inteiro.


Nesse momento,

como os caprichos

do indomável oceano,

o Pantanal cumpre,

então, sua vocação de mar.

Mar de Xaraés.

Três quartos de água

para um quarto de terra

em chamas.

 

Ewaldo Schleder


PANTANEIRO

sobre a cabeça

o negror de um céu

indiferente ao tempo

em que tudo era água

garças e onças


sob os pés

a crestura de um chão

rouco de respirar

o sem-ar da algaravia

orquestrada por satã


no corpo

dor a rasgar-se

na secura do choro

no ermo da esperança

na carência da oração


na alma

morte lenta

cheirando a futuro.

Lourença Lou


PANTANAL EM CHAMAS


Chegou setembro, o tempo está cinzento,

e tudo está pesado, poluído,

queimou-se todo fruto não colhido,

o fogo corre forte, sopra o vento.


Desesperado, sem qualquer alento,

o jacaré está no chão, ferido,

as maritacas fazem alarido,

o sol tristonho cai, sem luz, sangrento.


E tudo vai queimando, e a natureza

contorce, em chamas, morre a bicharada,

deixando, atrás de si, demais tristeza.


Fuligem, cinzas! Tudo é tão brutal,

Intensa é a dor, enfim, restou o nada,

pois tudo se queimou no Pantanal.


Edir Pina de Barros


* * *

Fogo no centro do corpo 

Corpo na ponta da bala 


 Água na bala do corpo 

Bicho na fome do fogo 


Corpo na ponta da faca 

Fome na água do corpo 


Morte no olho do bicho 

Bicho na fome do povo.


Jade Luísa


 TRANSLITERAÇÃO DA MATA

Cerram-se 

As patas 

Fuços 

E garras 


Os caules 

A seiva 

A mata 


Dobra-se em 

Cinzas 

a Dor 


As mãos neolíticas 

Queimam seu próprio rosto 


Hoje o domínio do fogo 

é morte 


é lágrima.


Paola Cristiane


HOMO INSAPIENS


Peles eriçadas

fogo

excitação

da morte

não a minha

nem a sua

mas

dessas almas

encapsuladas

em peles

secas

tatuadas de negrume.

Acuada

a vítima esturra

medo

dor

sem destino


Rosane Raduan


* * *

meio

que te quero

inteiro


floresta

que te quero

verde


água

que te quero

viva


pantanal 

que te quero

fênix


Jorge Amâncio


VOTOS INCENDIÁRIOS

 

57,8 milhões de votos afugentaram: araras-azuis,

tuiuiús, tucanos, periquitos, garça-brancas, jaburus,

beija-flores, socós, emas, seriemas, papagaios,

gaviões, curicacas e muitos outros;

                             

57,8 milhões de votos queimaram: onças-pintadas,

capivaras, veados-campeiros, veados-catingueiros,

lobos-guará, macacos-prego, cervos-do-pantanal,

porcos-do-mato, tamanduás, cachorros-do-mato, antas,

bichos-preguiça, ariranhas, suçuaranas, quatis, tatus

e muitos outros;

 

57,8 milhões de votos sufocaram: piranhas, pacus,

pintados, dourado, cacharas, curimbatás,

piraputangas, jaús e piaus;

 

57,8 milhões de votos assassinaram: jacarés, sucuris,

 jiboias, cobras-d’água, camaleões, calangos-verdes,

jabutis e tartarugas;  

 

57,8 milhões de votos incendiaram: árvores

e mais árvores e mais árvores e mais árvores e

mais árvores, que desapareceram do mapa;

 

57,8 milhões de votos exterminaram espécies e

mais espécies de plantas e plantas 

e mais plantas que mais nunca

mais serão conhecidas;  

 

57,8 milhões de votos reduziram

à cinzas abundantes diversidades

de insetos e aranhas;

 

57,8 milhões de votos transformaram em chamas

mais de dois milhões de hectares

de um patrimônio natural da humanidade;

 

57,8 milhões de votos

destruíram quase

um Pantanal inteiro.

 

Maurício Simionato


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