Poemas de Alice Ruiz



TEXTO PARA INICIADOS
NÃO PODE SER ACABADO.


1-     achar a palavra que reverbera a aura das coisas. Palavra flor, palavra cor, palavra luz. Um som total num só tom, em todas as línguas. Palavra poema, um verbo que seja, por exemplo, verbena.

2-     precisa-se da palavra que seja precisa, mais que casa, teto, lar, porta, madeira, que seja fogueira em brasa.

3-     procurar a palavra exata que encontre a veia aberta e a violência do seu silêncio atravesse como um grito o verso certeiro.

4-     grafar só o momento ou, talvez, a eternidade, sempre que ela se for com o vento




TRÊS AMIGAS
                                                                      
para Maria Lúcia Dal Farra


Quando se encontraram
cheia, a lua, brilhava alta.
As faltas do inconsciente
que a gente da gente esconde
pulsaram na superfície.
Sem ao menos perceber
já estavam no porão
vasculhando assombrações
e vivendo, sem intenção,
as lembranças mais sagradas.

Muitas lágrimas nasceram,
quentes, em liberdade,
do fundo da intimidade
mais antiga do que elas
vinda, talvez, de outras eras.
Depois trocaram risadas
olhares telepáticos
e o mais enigmático:
uns silêncios eloqüentes.

São poetas, viu a lua,
talvez para compensar
a sensibilidade tão crua
tramando seus fios de prata,
achou de torná-las vizinhas.
De lá para cá, quando surge,
mesmo longe, é o mesmo céu,
em vez de esconder, tira um véu
e envolve suas almas nuas.

Ignorando distâncias
em seus raios, compartilha,
segredos e confidências
de amigas, irmãs, mães e filhas.
E tal qual na noite escura,
quando há lua, a solidão,
já não está mais sozinha.
                                            

* * *

Deusa Atena,
por favor,
atrasa a Aurora.
Deixe que dure
um pouco mais
a trégua,
esse outro nome do amor,
antes da guerra.

Adia a lembrança
de que existe o efêmero
mera armadilha
de um dia após o outro.
Faça que a noite,
esse simulacro do eterno,
se estenda um pouco mais.

Não deixe que traga ainda o sol
com sua luz que tudo acende,
e a todos cega
nos fazendo esquecer da morte
essa outra vida
no reino do não ser.

Espera, Aurora,
aprende a Paciência
para quando o momento
do fim da existência,
for agora.

Mas até lá, Atena
deixe que venha,
sem demora,
a Aurora.

MULHERES DE ATITUDE

Heloísa de Porto Alegre
transformando sucata
em arte aristocrática

Patrícia Galvão
inaugurando a cada dia
uma vida de revolução

Elvira Pagã
desnudando
Dionisio e Pã

Alzira Espíndola
fazendo da música, pão
e do pão, música

Carmen Miranda
Fez o mundo descobrir o Brasil
e só o Brasil não viu

Sônia Hirsch
espalhando aos quatro ventos
o que o corpo lhe disse

Mae West
transformando sua busca vã
em senso de humor

Helô de Pirenópolis
costurando na lona
a força da doçura

Claudia, da cidade
ano após ano
acumulando juventude

Marias do sertão,
a mulher do pescador
e a que vive sem amor

são tantas
nem cabem em seus nomes
minhas mulheres de atitude

Alice Ruiz é poeta, tradutora e letrista de música popular. Publicou, entre outros títulos, os livros de poesia Navalhanaliga (1980), Paixão xama paixão (1983), Pelos pelos (1984), Haitropikai (1985, em parceria com Paulo Leminski), Vice-versos (1988), Desorientais (1996) e Yuuka (2004). Sua poesia completa foi reunida nos volumes Dois em um (2008) e Jardim de haijin (2010). A autora publicou também o livro infantil Nuvem feliz (2010, em parceria com a artista plástica Edith Derdyk). Como letrista, a poeta tem parcerias com Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, Alzira Espíndola, entre outros compositores. O Centro Cultural São Paulo publicou, na coleção Poesia Viva, uma plaquete de Alice Ruiz, Quase duelo de quase amor (em parceria com Estrela Ruiz Leminski).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POESIA

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

NOVE POEMAS DE JORGE AMÂNCIO