UM POEMA DE CARVALHO JR.
UMA FLAUTA PARA DÉO SILVA E
BRUNO CATALANO
Há
um buraco, bem fundo,
na
sombra que me acompanha,
e
mais um na corcunda hereditária
que
me descansa nas costas,
e
mais um no coração aleijado
da
Rua José Feitosa Mourão,
e
tantos mais, inumeráveis,
no
útero seco do meu cadáver.
Algumas
das lágrimas que escondo,
sem
lhes escandir as sílabas,
trabalharam,
sem greve,
nesse
esburacamento do mundo.
Sou,
ainda, aquele menino teimoso,
adiando
o dia de ir embora de casa,
da
casca, da margem do rio.
Serei
um viajante de Catalano,
em
corrida para a secura do mar,
antes
que as arcas ocas da noite se abram?
Uma
criança, sem olhos, encontrou uma flauta
—
a mesma que faltou ao muro de Déo —
em
um corpo de estátua, aberto, na praça,
oito
séculos depois da minha última morte.
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