DOIS POEMAS DE CARVALHO JUNIOR
TRINADOS
Nada me quebra
o torno do assovio.
Nada no mundo
me descriançaliza.
Vivo, o tempo todo,
com meus pássaros.
REGORJEIO
Quando eu era a metade
de um verdinho-da-várzea,
corria pelo chão de toás,
nos ombros de meu pai,
com curicas de papel.
Sou, ainda, aquele mesmo
menino-andorinha-do-rio?
Ou um graúdo, espantadiço,
rabo-branco-do-maranhão?
Há dias em que acordo
pardal caído do telhado,
há outros em que acendo
um curió nas entrepernas
da rosa-do-deserto da manhã.
Há sempre um sibilo de mistério,
no silêncio que palpita na faixa
dos olhos da lavadeira-mascarada
no rude arame, súbito, desaparecido.
A névoa do soluço do urutau,
no galho da lua, “ai, ai, mamã!”,
assusta o cabo, partido, da noite
e desarma a atiradeira do ontem.
Toda vez que tomo assento,
sozinho, à calcada de casa,
as mãos de Quirola e Elias
soltam um canário torneado
do lábio da antigaiola do sonho
e, entre cipós indomesticáveis,
estiro as asas da alma-de-gato,
por um sopro, ressuscitada.
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