UM POEMA EM PROSA DE EDIR PINA DE BARROS

 








“Entre estatais

E multinacionais,

Quanto ais!”


Carlos Drummond de Andrade


A serra de Itabira, com seu Pico do Cauê, antes de ser a riqueza maior dos Andrades, foi terra de Botocudos. Eles foram caçados, com auxílio de cães farejadores, alimentados com carne dos seus pares, vencidos a ferro e fogo. 

Agora não existem mais índios, nem serra, “com seu perfil grave” que podia ser contemplado da janela do casarão.  Nem a Matriz do Rosário. Os craí reviraram a terra, como vorazes bandos de queixadas famintas.  A Vale minerou o Pico do Cauê até virar cratera. Abalou o alicerce da Matriz, que tombou ao chão.  A fazenda dos Andrades virou um campo de rejeitos de minério.

O maior trem do mundo não apenas levou o coração de Drummond e a serra “britada em milhões de lascas” “para a Alemanha, para o Canadá, para o Japão”. 

A imensa serpente Guapók - monstro que vomita fumaça – nunca mais parou de correr. Desde então urra dia e noite, arrastando seus 150 vagões e cinco locomotivas, rumo aos portos litorâneos.  Beirando o Rio Doce rasgou, a jusante, o território Krenak.  Afastou os espíritos marét, tokón, nanitiong e os makhian. Também espantou a caça, trouxe invasores, epidemias e morte. Nunca mais se fez silêncio nas aldeias. O pó de ferro invadiu o espaço, penetrou pelos poros, incorporou-se à vida, já bastante devastada.

E, como se não bastassem séculos de violência, um mar de lama de rejeitos devastou seu curso, margens, ilhas.  Nunca mais o Rio Doce foi o seu doce e sagrado rio Watu Mirare re, generoso em peixes. Agora nem podem mais banhar-se nele, beber as suas águas.  Se assim o fizerem, dizem eles, ficarão mineralizados. Watu kwen ... Watu está morto.


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