TRÊS POEMAS DE CARVALHO JUNIOR

 

CIGANA ACROBATA


Ó tijubina, lagarta do mato,

arco sagrado das minhas janelas,

infâncias ardem em tua cauda, 

rabo teimoso do chão de malícias.

Amo a disciplina da tua fuga, 

do teu chicote amarrado de pontes,

cigana acrobata, graça na areia,

em cada cipoada doze pélagos. 

Dança assim nua nesta frágil manhã!

Menina índia me embira na ginga,

bebo o melão com mel de tua língua.

Sou tijubinocentrista incurável,

amor aceso, voa sobre os verdes. 

Miro-te sempre em meus morros de pedra.


GAIOLA


a gaiola abriu a asa no peito da ave

:

o pássaro sorvia o próprio sangue

numa taça com as gotas guardadas

pelo tempo que o tomou de ser livre.


a gaiola maldizia o feitor

e os seguintes no ciclo de prisão; 

a gaiola se pensou um curió,

fez-se gaiolássaro de bom canto;


a gaiola se desgaiola de si,

dá-se de beber um amigo ao outro,

um voo de sonho se desenverga.


nenhum espantalho amedronta mais.

gaiolássaro e passariola se amam,

como ensinam poetas sobre a vida.


FORTUNA


do meu pai,

uma faca de desossa.


da minha mãe,

uma agulha de mão.


o que mais herdei do mundo?


quatro quibanos de utopias quebradas,

a teimosia de trinta gerações inteiras, 


uma cuia de infecundas sementes,

quatorze pedras do alto da ladeira,


um açude de peixes sem respiração,

oito balaios de apitos de madeira,


um rio de pássaros trêmulos na boca,

a bilha ardente das águas da gameleira.  


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