UM POEMA DE PAOLA CRISTIANE

 

MARIA


Persigo meus passos 

Entre as telas


Meus olhos gritam:

- Caravaggio


Eu viro vulto.

E meu processo sinestésico

 se inicia.


Coloco-me frente à pintura.

Começo devorando as formas,

Depois as linhas, luz, sombras e cores.


A mordida é doce. 

Às vezes romper a imagem 

exige o esforço de comer a maçã, 

às vezes com a leveza do pêssego.


O ato de degustar é inexplicável, único.

Logo tudo está dentro de mim.


Com Maria foi diferente.

Na primeira mordida

não rompi as formas

como do jeito usual.

Quando mordi suas linhas,

meus dentes derreteram.

Fui sentindo como se eu 

me desfizesse inteira

em suas sombras e luzes.


A sinestesia foi longe 

e tomou forma.


Tinha cheiro de chuva,

gosto de laranja-lima.

Tinha voltas e mais voltas, picos,

uma ideia louca de movimento.


Era horizonte,

era brisa.


Som de concha,

pele em seda.


Devorei, num processo mimetizado.


Mas há belezas que escondem

linhas tortas, desajustadas.

Ainda que belas, 

trazem no fim

o fel à língua


Seus fios enrolados em carmim 

pintaram meus sentidos.


Segui cega, muda, surda. Sem tato.

Nunca mais paladar.

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