CINCO POEMAS DE JADE LUÍSA
RITUAL DE CREPÚSCULO E CARVÃO
O cio se esgota pelas unhas, dilacera animais
de couro duro, desejantes
não há resposta senão tocar o púbis
A morte parece doce quando os cabelos viram cardumes a alimentar a prole
Aves de barro se fazem de folhas pra não virar presa
O cerrado gesta mais mulheres durante os pores do sol
Há cascavéis em todos os corpos
há milhões de vozes em cada anel de coco
Insetos cochicham:
chegam primeiro ao corpo, escavam o tecido frio
Tantos buracos nas costas, tanta água escoa pelo esôfago
tanto sangue na retina dos dias.
SUÇUARANA
Deitou antes da caça primeira
dos abutres
Sobre a terra, trinta metros de pó
Deitou e manchou o rosto
e quando a lua obtusa escondeu-se
por três minutos
o corpo foi coberto pela espessa fuligem
do pântano de ferro.
MARÉ: UMA APOTEOSE
I.
O céu se aproxima nos lábios da chuva
se pareço névoa
sou gota
– contorço o hálito do oceano.
II
Demoro o buraco da cabeça
sobre o umbigo-concha
Ombros espreitam
coral-baço.
III
Grãos de areia entre as dobras
do pescoço
mãos finas de jabuti
resquícios de nuvem entre-púbis.
IV
Alvéolo-semente em cada tripa
peito do pé lambido
toque-beira-de-maré.
V
Fôlego primeiro do choro
repouso das pálpebras
leque de sal
– Nove bacias de água e tentáculos
lânguidos
em transe.
VI
Cada dedo de pele embevecido
frio-casco de tartaruga
Nas costas, fogem as constelações
sobram escamas, ciclones.
VII
Vizinha da lua cheia, gaiata
implode a semente
da última vértebra:
mangue dentro do ventre
asa no murmúrio das ondas.
GEMA
Banhar a sede da relva com o beijo primeiro
tornar-se pétala, lágrima
Brilho início cega, cria
o findar da fonte tateia: raízes na boca
Viver como se acabasse de nascer
Nascer como se acabasse de morrer.
VIDE
Quando olho vertical, ramo de alecrim
tão azul quanto o seu nariz
espasmos miúdos interrompem as preces
O espanto do polvo no azeite
encanta mais que a persistência das amoreiras
– já não vejo frutas
Não saber onde está, como vibra
em quais faíscas adormece
senão nas do meu sono ébrio
Como despertam as manhãs trêmulas
que não com o cheiro recém banhado
da mulher que ama
Toda palavra tem seu rosto
cílios nos ramos de alecrim e pele
nua nas vírgulas de tinta
Escrevo noites com sua mandíbula rangente
Toda palavra tem seu rosto
mas seu rosto é estio, varizes, querubim
Escrevo mortes longas e fuligem
destituo deus e sua nudez.
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