POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO
A IDEIA DA POESIA NÃO É MINHA
1.
os olhos atrás do espelho:
pálpebras flácidas
que não se abrem
por inteiro (
alguma coisa de encanto um canto
que atravessa o silêncio
e não se diz
)
2.
pele nua escassa melanina
que recusa o sol
luz que reflete
o nome apenas
invólucro tênue
como a pena modulando
a palavra
é voo
3.
o virtual se desfaz
porque a vida aqui
se expande
o canto aflora
enquanto a flora se empetala
de encanto
4.
primavera sonora –
alguns cultivam cactos
outros semeiam signos
em ondas
o rito do reflexo
ritmo da liturgia
5.
toda imagem multiplicada
reluz a nudez
:
pele
tinta
pincel
o papel ainda que longevo
é palco de desejos
e gestos
6.
agora a estação dos olhares
aos pares – espelhos translúcidos
luz que abisma e ainda
nesse tempo de ruína
o canto profundo e plácido
é semente que não finda
PALETA DE CORES CREPUSCULARES
1.
Há um tangível hiato
entre as claridades
na epiderme do dia.
São dezoito horas
na cidade que arde.
O horizonte incandescente
parece o alarde do fim
nas aparências escondidas
e inquietudes solidificadas
que restaram à vida.
Essa é a soma fatídica
da herança que nos presta.
Nada que daqui se leva
e o que resta é pedra
sobre ossos pedra
sobre pó pedra
sobre pedra.
(Posto que o horizonte visto fosse o reverso do que vi – a impressão mal feita da tarde – morrer ainda assombra. Pois morrer assim é morrer sem nunca ter visto sobre a pedra o azul que não nos alcança).
2.
A manhã surge morna
e acalma meus olhos na hora branca.
Tênue paisagem dissolvida
na noite ao desassombro do dia.
A intempérie sobre a pedra é a gênese do solo
o berço utópico da planta.
SORTILÉGIO
o tempo passa largo e fundo
ao lado da cadeira
de Miss Hope
a noite se arrefece
surge o dia impávido
no momento híbrido
noite e dia
sucedem-se estações
no balanço vazio
de uma cadeira sem assento
........
manhã de frio
da chuva torrencial
poças na rua
pétala de seda
sobre a haste seca
uma borboleta
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