UM POEMA DE EDIR PINA DE BARROS
A brisa da madrugada
já brinca com as relvas
e os pássaros pipilam,
anunciam o novo dia...
A canoa já está no porto
o rio nos espera agora
a espreguiçar suas águas
no leito rendado de areia.
As capivaras e as pacas
devorarão todo o milho
plantado para o batizado
e não haverá mais festa...
Sem batizar o milho
não haverá fartura
e um novo e longo eclipse
abraçará nossas vidas...
E escuta a delicada brisa
que murmura em segredo
os cânticos sagrados
das vozes ancestrais...
Ou eterno será o sono
no poço fundo do tempo
onde moram agonias
da escuridão dos inícios...
Acorda
UM POEMA DE CARVALHO JUNIOR
Animália
I.
{Lagarta}
livros, luas e licores nas frestas da noite.
a sala sob a luz de infâncias remendadas.
giram piões de banzos sobre os azulejos.
a salamandra ancestre dança a casa inteira.
relâmpagos de lágrimas se perdem no olho.
tudo é música dentro do turvo da memória.
a manhã acorda, nua, com ressaca de vinho.
II.
{Peixe}
passa a faca, leve, no corpo da manhã.
estica o peixe, mete-lhe o sal das mãos.
incêndios em aquários, açudes quebrados,
xícaras de sangue no ticado de dona Isabel
e o ritmo do mercado se queixa do cheiro forte.
III.
{Capote}
cantam, entre miúdas pedras, no alto da ladeira,
as mágoas vivas do sertão e da galinha d’angola.
parece o mesmo, diversa a fonte do terreno
soluço,
os idênticos ais não se curam com qualquer susto.
tantas lágrimas em sons da natureza se revelam
e o coração revigora na ácida louça do caminho.
DOIS POEMAS DE PAOLA
SCHROEDER
GRAFFIAS
Quando o céu é solavanco,
onde ficam as estrelas?
Do amor às cobras fez-se pedra.
Tão delicado desejo, quem pudera?
Pernas imobilizadas em esboço preto e branco.
Mãos esculpidas num bater de celhas.
Sobre os joelhos reza narciso em seu lago.
Dizem: o amor, espelho de reflexo vago.
As folhas que no chão adormecem,
inebriam o ar das cobras à mingua.
Que resta à boca quando se aprisiona a língua?
Diante da cabeça de sua amada talvez clamem,
pelo cavalo alado que no céu brilha.
JARDIM DE INFÂNCIA
- Mostre sua flor.
Minúsculas mãos
baixam lentamente
as calças.
Flor ainda muda.
Inocência desfolhada
pelo olhar daquele menino.
DOIS POEMAS DE SIDNEI
OVÍDIO
MUNCH
a ponte
minha sina
instante
onde rima
o limite
(transito:)
a dois passos
do espaço
a uma sílaba
do grito
vigília
nos pequenos
vãos
das grades
vão-se
grandes desejos
universos relativos
e inúteis tentativas
de se alcançar
as chaves
:
viver é ser
prisioneiro do mundo
adágio para uma nova manhã
o sol com seu fausto sorriso
no holocausto da tarde
recompõe a noite (sem alarde)
processo de povoamento
uma
nova manhã
surge
lentamente
sobre o dia preguiçoso
o sol
na altura da cabeça
acorda
meus olhos às nuances
do jardim e arredores
um
mosquedo de drosofilídeos
rodopia
casca de banana
jogada na calçada
uma
nuvem de libélulas
ávida
pelos mosquitos
sobrevoa a piscina
um
enxame de abelhas
zunindo
em uníssono
poliniza pitangueira em flor
(uma
solitária vespa
carrega
imóvel lagarta
para o ninho de barro)
um
cordão de formigas
escravizando
afídeos
refastela-se do açúcar
automóveis
enfileirados
disputam
o cruzamento
das ruas sem placas
buzinas
enlouquecem aves
em
pouso nas árvores
ao redor do passeio
um passante
pisa na casca
vocifera
sobre o oculto
sem notar a fuga das aves
fina
névoa encobre o sol
pretexto
de fugas
insetos
dispersam
saio
de cena
reescrevo
a manhã
sem
precisar a sintaxe
(e o trabalho submisso dos pulgões)
UM POEMA DE LOURENÇA LOU
copo de desespero
ao fim
labaredas lambendo
o ar
canto de jaó
alonga-se no cerrado
choro de rio
a serpentar solidões
- silêncio
a termo
cólera de nuvens
alagando a paulista
ciático da economia
a corromper códigos
ausência de justiça
na ordem dos valores
- caos
ao fim e a termo
um copo de desespero
aguardente
de misérias anunciadas.
UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER
NERVOS
fibras dos meus nervos
vibram quando toco você
sinto tua presença
aqui (em carne e osso)
dentro de mim
desorganizadas lembranças
me amparam na era imponderável
imagens retocadas pela realidade
compensam minha loucura
rever de súbito um passado
como se fosse agora
denso e palpável
um presente contemplativo
que lapsos furtivos me passam
lembranças e visões
suas ondas me perpassam
a flor da pele e os pelos
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