DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER
ESPELHOS
Olho para minha pequenez
e minha grandeza.
Penso nas coisas da vida
e nas figuras humanas
recortadas – frisadas,
borradas, vivas.
Cogito aquelas que perdi,
as que deixei fugir.
As que me escaparam
ou despencaram.
Pessoas e coisas.
O querer, o poder.
Situações de vida
a decidir todo dia,
o dia todo.
Coisas mínimas,
Médias, máximas.
Quando fruto
da educação,
esse querer
se arquiteta
entre fios de imaginação
e células testadas na vida
desde sempre.
Um dia
essa trama imaginária
libera o ataque
e o movimento.
Mas paralisa
os sentidos
do querer e do poder.
Desprezam
reivindicações.
As mais legítimas.
Em demonstrações a ignorar
o tom essencial,
humano.
Ao me tomarem
o livre-arbítrio,
destruíram o meu destino.
Por duvidar de minha sorte,
desde quando
era manipulada,
nunca pude bem
acreditar na vida.
Mantive-me
entre as vertentes
da liberdade e da criatividade.
Estas, potenciais das decisões
e do enfrentamento
à ansiedade e ao medo.
Loucura isto.
Porque se desenvolve
um processo
de neurose, a partir do berço,
da casa, da rua.
Há uma consciência
dessas castrações desde
que se deixe de percebê-las
só pelo sentimento.
Mas via memória,
pondo a mão na massa
das ideias reveladas
nos mergulhos
ao íntimo.
Tirar o querer
de uma criança
é crime hediondo,
em meu juízo.
Ela pode querer
o mundo todo
– e vai querer –
até quando souber
que mundo particular
é o seu.
Ela pode ouvir não,
sim, talvez.
Com explicações vagas
ou claras
ou sem nada, em cheio.
Ela aprende sobre o querer.
até tangenciar
os próprios limites.
E abraçar o amor, a vida,
a vocação, os espelhos.
CALENDÁRIO IMAGINÁRIO
Não sinto fome, mas angústia.
Agora, sono. Vou sonhar.
Dormir e sonhar.
Logo será amanhã.
Devo só aproveitar
esse silêncio ao redor.
Nenhum barulho nesta casa,
nada de som aqui,
até a geladeira silenciou.
Imagino ouvir a mim mesmo
e perceber corredeiras
pelas minhas artérias;
as veias – ir e vir em rumos
de sangue
deste mundo meu.
Coração a noticiar sobre mim
toda sua vigilância. Vivo.
Pétalas aos meus ouvidos sofridos.
O que ela me diz
eu vibro em ouvir.
Palavras de uma alma nobre,
na mais profunda madrugada.
Além disto, ela me dirige
frases românticas,
discursa, sem as oscilações
que me acostumei
a escutar das mulheres.
Todo tempo ela é assim.
Vivemos fins de manhãs,
tardes inteiras, começos de noites.
Essas todas, umas poucas vezes.
Nos conhecemos, nos revisitamos,
o âmago de nossas fontes.
Experimentamos devaneios
corpo a corpo, em movimentos
num sempre calendário
imaginário. Delírio!
Como dizer palavras?
O que direi a ela?
O que vivemos é erotismo.
Mãos puras, hálitos de vinho.
A celebrar o indizível.
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