UM POEMA DE JORGE AMÂNCIO
SINFONIA PARA O EXTERMÍNIO
(12 movimentos em três versos e um quebrado)
PARTE I
mar tenebroso
navios mercantes
negros ao mar
cruzador de 7 males
terra de pindorama
acorda escravizado
*
cana pro café
animal cativo
origem roubada
objeto corpo abjeto negro
máscara anjinho gargalheira
novenas e trezenas de matar
*
sol de meio dia
grãos do café
farpas da cana
chuva de suor
mão cortadas
pés acorrentados
*
longe dos livros
abastados servos
depósitos de ódios
língua de vozes
quitanda cafuné cuíca
tatuadas na memória
*
falsa pena áurea
sobrevive às minguas
negras de serviços
alicerces da raça
baluartes da vida
guerreiras lavadeiras
*
quilombos favelas lares
chão barro batido
teto trança palmeira
filho nato desespero
desapreço raça medo
cachaça degredo morte
PARTE II
esquecidos para morrer
samba pinga futebol
motos carros fuzis
milícias tráfico mortes
vitrines becos ruelas
tiro triste trágico fim
*
do ônibus sobe a ladeira
de marmita e jornal
três tiros na noite
perfuraram a marmita
rasgaram o pescoço
um certeiro na cabeça
*
o policial branco
de arma em punho
documentos endereço
um nada a declarar
tiros à queima-roupa
um negro um erro
*
o sol verde dégradé
deixa no chão caminhos
de imagens efêmeras
Timóteo pensa em suicídio
trepadeiras se arriscam
no alto da velha árvore
*
amarelinha de sal
vai ao céu vem à terra
cidade buzina ruídos
brinca de ir ao orum
rui na casa sete
bala perdida dá asas
*
23 minutos para a morte
corpo negro sangra
família negra chora
anônimas estatísticas
nos castelos fascistas
a última ceia
Poesia afiada na construção sinfônica, nas imagens desdobradas do passado, presente. A bela e dolorosa síntese da prismática cor/dor preta sob o jugo da escravidão sem fim. Sinfonia de eterno requiem.
ResponderExcluirGorgosinho feliz com o seu comentário. Um axéGrato
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