UM POEMA DE JOSÉ COUTO
UÁGI
para a poeta Jade Luísa
I
na luz esverdeada do ofó
as almas fundiram-se
no batuque da linguagem
entendi o perfume
exalada da poesia
e aspirei iá mi oxorongá
II
no avesso da pedra esverdeada
estava escrito aiabá em aramaico
entendi o azul turquesa do córrego
o vermelho da pitanga no chão batido
a intrincada trilha da água
o abismo no fundo da mata
e cantarolei ajé paó orum nanã
III
no inverso do anverso do sopro
odu lançou dezesseis búzios
o babalaô de ifá tatuou
na pele o olho esquerdo da lua
girando as oito metades do opelê
IV
guerreiro oxóssi
proteja com seu arco e flecha
a poeta oriqui
ela dança descalça na relva
reinventando caminhos
ampliando horizontes
minha mãe iemanjá
lave a ori da poeta oriqui
com água cheirosa
ela carrega seus ancestrais
na raiz dos cílios
no urucum debaixo das unhas
nos cortes das solas dos pés
meu pai ossaim
macere o alecrim a arruda o manjericão
faça um unguento com açafrão
pro chacra cardíaco
da poeta oriqui
sua escrita é o relâmpago do raio
a tormenta do vento
os restos as sobras a fúria
V
risca o ponto
na pedra esverdeada
que flutua
canta seu riscado no luar
seu alvo almas tristes ou contentes
sinas leves breves e longas
o berro o urro o perigo
GLOSSÁRIO:
Aiabá - rainha, orixá
feminino
Ajé - feiticeiras
Babalaô - sacerdote
da adivinhação
Iá mi Oxorongá - feiticeiras,
mães ancestrais
Iemanjá – dona das
águas, mãe dos orixás
Ifá -o oráculo
Nanã - orixás
dos lagos, da lama que modelou o homem
Odu - a maior das
feiticeiras
Ofó -cantiga de encantamento
Opelê - instrumento de
adivinhação de ifá
Ori -cabeça
Oriqui - epíteto,
louvação
Orum - céu
Ossaim - orixá das
ervas
Oxóssi -orixá da caça
Paó - bater palmas
ritmadas em saudação
Uági- pó azul para
pintar o corpo em cerimônias
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