TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO
RAÍZES AÉREAS
Você
que do Norte não fez volta, volte-se agora a esse pombo-correio, essa garrafa
de náufrago, esses sinais de fumaça e sons de tambores telegráficos.
Segue
notícias daqui, onde tudo ainda é passado. Onde minhas raízes aéreas,
entrelaçadas nos fios postais, reverberam esquinas perplexas. Onde a vida
balança pendular sob a linha do equador.
Nada
muda nesse horror tropical. Não há vestígios de crisálidas rompidas nem da
última ecdise das cigarras.
Mudas,
apenas palavras e ânsias de metamorfoses. Dessemelhantes, as manhãs despencando
frias e a peste que recrudesce.
As
formigas continuam em romaria invadindo calçadas. Aves e onças migram para as
cidades, fogem das matas que ardem aos anseios dos que se arvoram donos do
amanhã.
Se as
manhãs persistirem, mande notícias daí. Diga se nesse rito existe mesmo a
passagem para o novo ou se a novidade é a mesma velha notícia, diferenças
mantidas em novas crenças. Diga se existe triunfo para quem cruza o Arco. Se o
Tâmisa está apto ao banho. Se há peixes nadando no lago de Veneza. Se há
riqueza na Fontana di Trevi.
Não me
diga nada de mais sério, o supérfluo neste tempo já é um exagero.
Abra,
por fim, a janela e dance no ritmo cardíaco dessa agonia, sem a espera de que,
um dia, a gente volte a se encontrar.
I.
Seis de agosto deste vinte duplo. A cidade parece
habituada à nova peste. Na fria manhã, o vento se encarrega da poeira e difunde
o ruído das sirenes. O dia seguirá igual aos outros: impuro e ininterrupto,
sobrepondo-se aos acúmulos de vida e morte.
Invadido pela luz, eis o ensejo de postar-se ao
espelho. Há duas maneiras de olhar: a primeira é aproximar-se dos detalhes do
tempo. Outra, é buscar a máxima distância, até que a imagem desapareça levada
pelo vento. De qualquer modo, é impossível fugir da estação subitamente
excessiva.
II.
O tempo se desenrola em partes. Em alguma parte. E
escorre numa intenção simplificada. Esse mito de construção que desconheço e se
repete.
Outra noite insone: eis o que também se torna comum
após tantas repetições.
Fujo dos ritos de tortuosa sina e dor inconfessada.
É o que basta para escancarar a existência. Nada escapa à tela cromática do
mundo e à identidade completa de si mesmo.
Um misto de poeta e exegeta.
III.
Essa duplicidade e concretude são as armas que
empunho contra o mundo. Um pé no desejo, outro no medo. E os acontecimentos
logo abaixo do que não enxergo, semelha ao sono extemporâneo.
Nesse agora, durmo de mãos dadas com o sortilégio. O
desejo é só imagens, nenhuma poesia: barco sem rumo sobre ondas que o vento
insiste impulsionar.
acordo dando vivas a mais
uma noite morta.
catarse. abro a porta e me
posto embaixo do sol.
manhã. feita apenas para
lapidar o sombrio da tarde.
extirpar a inequívoca
passagem do tempo.
(o antagonismo das nuvens e
do velho telhado).
acaso de um mundo que já
desconheço.
realidade. onde está a
saída?
onde está a rua que não é
mais?
me perdi dos possíveis
desejos de travessia.
onde está o rio que ainda
aqui corria?
meu barco remado já não
suporta a viagem.
ancora em docas distantes.
afunda comigo na noite
recomposta. crepúsculo.
até quando estarei preso no
fundo do íntimo abismo?
outra
manhã a reverberar o tempo
com
quantos argumentos se tece a manhã?
com
quantos ventos alinhavados
a
tarde não transborda em tragédia?
levantar-se
da cama em dores
(na
hora única do dia em que a vida é possível)
ainda
é mecânica plausível
a
perna adjacente apoiando a depressão.
a
manhã pende madura
à
razão de seivas, preces e indigências.
colho-a
antes que caia
pela
extirpação das matérias indecisas
a
que o dia se realize.
(as
noites não. as noites trafegam urgentes
no
seu indispensável turbilhão de angústia
e
mistério).
é
sempre a manhã se renovando
em
seus velhos argumentos de aritmética imprecisa
sob
o pretexto da continuidade.
Sidnei Olivio é natural de São José do Rio Preto, SP. Biólogo
circunstancial e poeta por convicção. Tem onze livros publicados, além de
participação em diversas coletâneas, revistas, sites de literatura e e-books.
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