TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

 









TRATADO DAS SIGNIFICAÇÕES ORIGINAIS

 

No fundo é tudo tristeza e saudade. Os tempos são outros. As crianças cresceram. Os cachorros morreram. Os amigos se dispersaram. Os motivos não mais existem. Apenas eu permaneci, refém do mesmo sentimento, no mesmo lugar que, pouco a pouco, desmorona.

(Não há como escorar o passado, tingir as lembranças de novas cores. A dor é ausência que se renova e ainda me espanta.)


ECLIPSE

 

Difusas horas rolam severas

dos aclives onde se crava a nova cruz:

 

o invisível que se avizinha

alastra e assombra

no exclusivo encontro com a morte

 

ao que resiste o corpo

nesse confronto de espaço

e reparte o tédio em mórbidas expressões.

 

O corpo que não mais suporta

a insistência de fechadas portas

perde-se aflito no rito

das estranhas manhãs

 

e salta empírico pelas janelas

sob as procelas do tempo –

Pierrô atônito entre as brumas de quarta-feira

 

que vestem as valas dos comuns

onde milhares de fantasmas

vagueiam cegos pelas bordas

à procura de identidade.

 

A eclipse penumbral da lua

nessa noite insólita

é mais um sintoma soturno

vestígio horizontal do ontem

 

que se diluiu no escuro

das cores aposemáticas

e da panfletagem do fim

espalhando-se pelo mundo.

  

CIRCADIANO

 

Renascer com a manhã

depois da noite se perder

entre sístoles, tropeços e diástoles

 

Ver a manhã

e os lepidópteros

seduzidos pelas flores

as formigas

em seu positivismo

diletante

as pitangas maduras

que resistiram

à queda

 

Ouvir a manhã

e o apelo estridente

das maritacas

sem pouso

Beethoven anunciando

o caminhão de gás

o crepitar do solo

no trimestre da seca

 

Escrever a manhã

e o horóscopo

do meu destino diário

os erros de sintaxe

desse pálido drama

nas frases que jamais

 forjaram poema

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