QUATRO POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO
MISANCENE
me afasto em silêncio
da película noturna
criada à beira do embaraço
componho atalhos
desperto passos
trilho a rota do sol
vertente de luz
palavra que elucida
o poema declarado
ao feitio do tempo
onde nada dura
e tudo permanece
se me afasto ou prossigo
do lastro sombrio
ao astro da madrugada
ainda será no mundo
apenas um verso
e mais uma estrada
ENSAIO PARA OUVIR ESTRELAS
espécie de epifania vigiar o cume da noite
contemplar jardim de estrelas
do escuro quase oco do quarto
paisagem que não se confina a frações
nem ao filtro de nuvens obscenas
(apenas empresta ao espaço
o verbo real do asfalto)
veio com o vento
sob o céu que contempla
a botânica do tempo e do silêncio
veio com o sonho e se dilata
na intrincada tessitura das janelas
peça factível e justaposta
ao que chamamos poesia
TODA MEDIDA TEM UM ERRO EMBUTIDO NO ESCURO
para Marli Fróes
I.
(Entremeado nos vales de Minas
minas de ferro prestes a desabar
sobre a razão e a rima.)
Corre inválido o rio doce
sobre o leito da tragédia.
Sensação de morte
na última gota que tocou os pés.
Ao curso das margens
trens carregam montanhas
à procura de Maomé.
Uma pequena rocha que restar
será a ínfima legenda
de um tempo além de nós.
II.
A sombra dos sentidos
inaugura uma realidade sutil:
o valor que a natureza tem
de si mesma
no avesso antropocêntrico
de Descartes.
Envolta nas brumas
a poesia flerta com a luz
invade o desconhecido.
Palavras geradoras de mundo
vem relatá-lo:
não temos mais para onde ir.
NENHUM LUGAR
cuidado ao se debruçar na janela do décimo sétimo
andar. a pedra que no chão reluz não é apenas uma palavra dura. e o intento
irreparável de ícaro, não eleva nenhum sentido. nem é consolo à penúria de
existir sem asas.
flexíveis braços. mãos tateando o escuro. compleição
ligada à omoplata. meros humanos em seus farpados lugares, sustentando ambições
interrompidas. amores instáveis. soluções adiadas.
não há salvo-conduto ao cismar o chão pela janela do
décimo sétimo andar. tudo está perdido, como o verso interrompido no verso de
uma folha que o vento carregou.
também não é válido achar que, além do medo, exista
algo a se salvar nesse cenário entorpecido (não há revanche ou vingança que
ponha fim ao desgosto que restou).
procure pela escada que levará, sem muito susto, ao
sustento da pedra onde pousam verbos e anseios a caminho de nenhum lugar.
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