DOIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO
TÁBUA DAS MARÉS
para Celso Vegro
no extremo do dia
barcos ancoram
à beira da praia.
mansas ondas refletem
o que ainda resta de sol
em suas brancas arestas.
antagonizam mensagens
de náusea e maresia.
dentro dos barcos
redes
dentro das redes
moluscos
crustáceos
e peixes
entrelaçados em ulvas
e sargaços
reverberam-se em saltos
– mórbidos traços –
no ultimato da pesca.
outros – livres das vísceras –
repartem-se em simetria
na ultimada fome dos homens.
(sobre o deserto da areia
a noite já respira.
aves disputam entranhas
enquanto o vento em uivos
provoca o mar.)
ROTEIRO PARA UMA VIAGEM EXTEMPORÂNEA
Minha janela, meu cigarro, meu martírio.
A vida recupera o sentido quando, o que se vê, encanta.
Onde tudo passa lentamente, esse tempo ainda não passou.
No refúgio do quarto esqueço distância e permanência.
O corpo retraído sem dimensões perceptíveis.
A ideia do momento que logo se perderá
na trama celestial das nuvens-chumbo.
O presente impermeável, oculto numa névoa de delírio,
sobrepõe-se ao real e constrói seu próprio itinerário.
Drama contínuo em notas de repúdio,
soterramento, tédio, sirenes, solene introverso.
(Uma pausa fria na composição dos disfarces.)
Criar imagens é elaborar roteiro para imprevisíveis viagens.
Registrar, recolher, nomear, esquecer.
Poesia, nessa hora, é o reverso da falta.
Recrio palavras a compor o passado antevivido.
Tempo verbal que resistirá não mais como lembrança,
mas como realidade conformada.
Poeta imensoooo!
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