QUATRO POEMAS DE SANDRO SILVA
CONVIVÊNCIAS
Deixe que eu me atreva
a dissolver teu nome entre os dentes.
Deixe que as vontades
se choquem aos ventos entrecruzados.
Deixe que os pássaros
amparem a imagem exposta das flores.
Deixe que os sorrisos
sucedam nossas sombras desapegadas.
Tudo isso e serei autêntico.
Esticarei meu peito rumo ao sol
para que descansem tuas mãos resolutas.
Liberarei meus ávidos ouvidos
para que grite até acordar as estrelas.
Soprarei a ênfase dos moinhos
para esfarelar teus medos inconclusos.
Esperarei que a noite amoleça
murmúrios ressequidos sobre a língua.
Pensarei no amor além do soluço.
Só então abrirei as janelas
para que a fantasia se aproxime
e tome acento na mesa de jantar
antes que os pratos esfriem.
SOB
A SOMBRA DA CAGAITEIRA
Sentado sob a sombra da cagaiteira
o mundo se rende ao Cerrado circundante
na imprecisa dispersão de sua presença
e as dúvidas da existência
se desidratam na sequidão cósmica
de um calor vívido e quase poético.
O sol é de todos e indivisível
mas nasce, vive e morre
bem aqui.
Com um violão acompanho
a orquestra desordeira da passarinhada
mas minhas notas não alcançam
o tom harmônico de sua liberdade
limitada tão somente
pelos contornos celestes inesgotáveis.
O céu se estende acima de todos
mas com tal imensidão de azul
só aqui.
Um calango da terra passa ligeiro
sobre a grama rala e amarelada
nem se dá conta do séquito errante
de formigas cheias de propósitos
a gravar seus caminhos tortuosos
na poeira vermelha de destinos desintegrados.
Vultos que vagaram por mundos distantes
mas por capricho repousaram
logo aqui.
As folhas da cagaiteira balançam
na cadência ritmada de uma suave brisa
minha alma se conecta à sua sombra
minhas veias se entrelaçam em suas raízes
a mesma seiva de resiliência
a nos encharcar o interior pulsante
e um êxtase inesgotável de luz
glorifica o insubstituível instante
de ser cagaiteira
de ser grama rala
de ser poeira vermelha
de querer estar aqui.
RAREFEITO
Percebi você passar
Na forma de um furacão
Que me deixou sem ar.
E me roubou o chão.
RECOMPOSIÇÃO
O tempo outrora sem fim
Tentando se recompor
Escondeu-se no jardim
Entre a semente e a flor.
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