TRÊS SONETOS DE VIRIATO GASPAR
DEVE & HAVER
(dedicado a José Chagas, em memória)
I
Que restará, depois, destes cansaços,
dos gomos de suor na nossa testa?
Da gana que investimos nos trompaços,
dos cortes que sangramos nas arestas?
Que festa há de jorrar de tanta luta,
de tanto espanejar contra as comportas?
Se a grana que se ganha, a força bruta
logo nos toma ao léu, por vias tortas?
O que fica, no fim, de tanto espasmo?
A janta, ver tv, o chocho orgasmo
quando a mulher concede a joia avara?
Valeu rasgar o mundo e os seus cutelos?
Se de ouro só vem mesmo esse amarelo
que o tempo vinca em ruga em nossa cara?
II
Nem clareou direito, e o mundo estronda
cem roncos, seus serralhos, mil grasnidos.
Fervilha um vendaval que encrespa as ondas
e apressa a procissão de esbaforidos.
E se empurram nos ônibus, nos trens,
nas ruas, nas peruas, no metrô,
suando o crediário de algum bem
que um riso falso na tv mostrou.
Eia que o mundo grita, e é força agora
sangrar um touro à unha a cada hora,
suar o quanto baste à prestação.
É o circo dos gargalhos das hienas,
que correm e morrem rindo nas arenas,
para o enfado sem graça do patrão.
III
O dia soube a gás e a creolina.
Um ranço estapafúrdio a cemitério.
As mesmas hordas loucas nas esquinas,
tentando uma saída da miséria.
Pequenas sordidezes reiteradas,
deslizes, covardias, ruindades.
A vida a se espojar pelas calçadas,
na balbúrdia sem rumo das cidades.
Das mãos que esfrego em pânico na pia,
como quem lava em nojo, ao fim do dia,
um banheiro, um bordel ou uma latrina,
não some, por demais que eu esfregasse,
o vulto sem futuro da menina,
que vi vendendo a fome a quem pagasse.
04/08/2021
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