DOIS POEMAS DE FABÍOLA LACERDA

 



















a imprudencia não tem tempo para arrependimentos
bebe a sede que precede o limo
crava os dentes na carne
enquanto fresca
nas sombras, enxerga
da fome, se alimenta
na minha rua perambulava uma mulher alada
uma de suas asas era partida
e sangrava
na minha rua perambulava um homem enfermo
um de seus pés era uma pata de casco fendido
e sangrava
na minha rua havia uma estátua de cobre
do jornalista que perdeu o vôo
e sangrava
eles vieram com as mãos manchadas de sangue
e cantavam numa língua estranha
tão bonito era seu canto lúgubre
que parecia uma canção de amor
que parecia, que queríamos
que fosse uma canção de amor
a imprudência nunca vem a termo
não entoa nenhum canto
não sangra


* * *


'lah'abim e sua órbita de fogo

'lah'abim num vôo à madrugada

seus lábios aduncos ferem o corpo

seus olhos camitas perfuram a alma

 

'lah'abim comerciante em granada

'lah'abim fiduciário em castela

reis lhe devem, perseguem-no os papas 

quase sem bens, 'lah"abim escapa

 

em naxos 'lah"abim projeta naves seguras

antes adultera as coordenadas dos mapas

assina contratos com o sangue do pulso

recolhe seus préstimos num cemitério em praga

 

deuses criam homens e monstros do barro

'lah'abim é o fogo da fornalha sagrada

para demônios 'lah'abim viabiliza o corpo

para os deuses 'lah'abim endurece a alma

 

a chama dos olhos do satã é azul clara

o mar é pesado, azul é a dúvida

o mar é pesado, seu manto vulcões apaga

azul escuro é o núcleo da vida

 

'lah'abim vende sedas em alcacería

'lah'abim produz de tecidos no novo mundo

lah'abim exilado sob um pé de jenipapo

no sertão paraibano entre oliveiras

e figueiredos, lah'abim é marrano

 

lah'abim tão homem quanto golem 

lah'abim atravessador de corpos e almas

lah'abim arrancará os olhos dos deuses

que nos devem das preces a paga

 

na morte, por 'lah'abim esperamos

 

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