SEIS POEMAS DE SANDRO SILVA

 




B


BANQUETE

 Devorei-te totalmente naquela primavera

sem ocupar-me com enfadonhos cerimoniais.

Avancei com avidez por tuas farturas expostas.

Devorei pele, músculos, vísceras entrincheiradas

aquelas suculentas maçãs de teu rosto,

olhos apreciativos, lábios e todos os dentes.

Depois contemplei por alguns segundos

teu escancarado sorriso, banguela e pueril.

Até devorá-lo também, de uma só vez

e plainar na plenitude do céu de tua boca.

 

Devorei os dedos dos pés, unhas, uma por uma

tornozelos, joelhos e coxas paralelas.

Tuas nádegas macias como relva serenada.

Peregrinei de um polo a outro pela pélvis

por pouco não me perco em perigoso perímetro.

Serpenteei entre os vãos de tuas costelas

abertas aos miúdos de minha imaginação.

Abusei do insondável abismo de teu abdômen

terreno vasto para valiosas provações.

Arranquei todos os pelos espalhados no caminho

antes mesmo de senti-los eriçados.

Divertia-me ver o movimento de tuas vértebras

vergando a cada nova cravada de minha arcada.

 

Devorei-te com a insana voracidade

requerida pela particularidade sublime da ocasião.

Atiçado pelo pulsar ritmado de tuas artérias,

encharquei-me todo com aquele denso sangue

vermelho-todo-vivo chamativo de sempre

feito lava de vulcão que nunca arrefece.

Temperei tua presença com ervas finas

cultivadas em frescas lembranças silvestres.

Foste naquele dia meu eterno banquete favorito

preparado no improviso lírico das circunstâncias

servido sem talher, prato ou etiqueta.

 

Devorei-te totalmente naquela primavera.

E já imerso na glória efêmera da saciedade

roí tuas doces cartilagens espalhadas

sem deixar para trás os mínimos vestígios.

Lambi vagarosamente todos os ossos.

Depois os enterrei com cuidado

por baixo de meus lençóis retorcidos

para vê-la rebrotar no dia seguinte

desferindo-me na luminosa manhã

o mesmo olhar convicto e desejoso

de que a primavera jamais tivesse fim.

 

MISTÉRIOS BREJEIROS

 

O sapo meio sem pontaria

Nem percebeu o que fez

Jogou sua língua ao céu

Fisgou logo a lua cheia

E a engoliu de uma só vez

 

Para salvar a suprema musa

O poeta quase desesperado

Embrenhou-se brejo adentro

Entre rimas lamacentas

Em busca do sapo enluarado

 

Sem nada encontrar no escuro

Bem no lugar onde estava

Louvou em versos cintilantes

O comboio de vaga-lumes

Que alheio por ali passava.

 

ESSENCIAL

 

Liquidado

Liquefeito

Inundado

 

Sem efeito

Desterrado

Dito e feito

 

Sem lágrima

ou mágoa

a poesia

fez-se água.

 

ENCONTRO

 

Sigo até o fim da rua

Errante, noite adentro

Ao encontro da lua.

 

A GENTE É O QUE É

 

O poeta é o que é

Está onde os ventos o levem

E disso não arreda o pé.

 

MANSINHO

 

Liberdade soou mansinho

Como o verto que desliza

Pelas asas do passarinho

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