UM POEMA DE FABÍOLA LACERDA



 








o engenho produz muitas e  belas putas

muito bem destiladas

algumas religiosas até

que os senhores as chamam carinhosamente 

de raparigas

 

em genuflexão as raparigas se dirigem à moenda

com sonhos e lágrimas de amor e devoção

é o momento em que a garapa é mais doce

é a fase em que a embriaguez é mais cortês

 

as senhoras dos senhores de engenho

e seus infantes 

são muito bem educados e calmos

nada lhes ameaça reputação e quinhão

 

a pobreza e a difamação das raparigas

sustentam casa e senzala 

o rebanho e o engenho

o alambique e a plantação

 

as preces religiosas das raparigas mantém

fértil cada palmo de chão

cada vaca e égua prenhe

cada máquina ajustada

 

há muitas raparigas catalogadas 

na biblioteca da grande casa

as mucamas, também raparigas,

as mantém muito limpas em seu devido lugar

 

houve uma rapariga que fugiu,

bem, ela não era muito moça,

destilada ou religiosa,

em uma vereda estreita e espinhosa

 

tão estreita era a rota de fuga

que só os solitários poderiam usá-la

tão espinhosa que só os de pouca vaidade

poderiam usá-la

e suportar, após a travessia,

a feiúra das próprias cicatrizes.

 

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