DOIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO


 










AZIMUTE 90 GRAUS

 

A rota da terra faz nascer a manhã.

Movimenta janelas

em tempo medido

do continente ao mar.

 

(Na alvorada,

o imóvel astro

e seu incansável

modo de ser.)

 

Miragem do vermelho –

míssil rubro de calor

que reparte o dia ao meio.

 

Além do véu das nuvens

recupera cor solarizada

do lapso que o atravessa.

 

Depois se põe à linha ortogonal

do horizonte convertido

na sobretarde do mundo.

 

 

CONSTRUCTO

 

a experiência do desamparo

peregrino traço

por onde se infiltra o desejo

 

exercício limítrofe da transgressão

fios narrativos

de uma prosa pungente

 

escrita do contágio

hipnotizante fúria do corpo

que transcende o literal

 

figura dramática de um jogo

além da própria volúpia

no despudor da linguagem

 

aquilo que se ousou

chamar de amor

antes de qualquer palavra

 

(pelos poros da pele

nenhum sangue visível

de antigas cicatrizes)

 

 IMAGEM: Kasimir Maliévitch

Comentários

  1. Vicente Serroni6 de janeiro de 2022 às 17:51

    Poeta maior de São José do Rio Preto, sou admirador da sua literatura. Espero contar com você na Mostra Rio Preto Literário que acontece em março, dias 17; 18 e 19

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

POESIA

"A poesia parece estar mais do lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia. De fato, a poesia é um corpo estranho nas artes da palavra. É a menos consumida de todas as artes, embora pareça ser a mais praticada (muitas vezes, às escondidas). Uma das maiores raridades do mundo é o poeta que consegue viver só da sua arte. Há dois mil anos, o poeta latino Ovídio dizia que as folhas de louro (com as quais se faziam coroas para poetas e heróis) só serviam mesmo para temperar o assado. E como poderia ser diferente? Como encontrar um modo de remunerar o trabalho e o ofício de um poeta? Rilke ficou treze anos sem fazer um único poema; Valéry, vinte e cinco anos! Outros consumiram boa parte da vida escrevendo uma obra (sem exclusão de outras) : Dante, vinte anos para a Divina Comédia; Joyce, dezessete, para a...
Leia mais

OITO POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

Imagem
  GALO-DA-CAMPINA   A aridez do planalto seca a voz enternecida.   No rasgo da boca palavras turvas   ofuscam o tempo nesse mundo real.   Inverossímil manto cobre o mapa do horizonte –   derretido espetáculo sobre a face da verdade.   Da janela que espreito a rua ecoa um grito derretido   e das cinzas do fogo que tudo consome, nos salva   : ouçam o bater das asas do pássaro em voo.   RENTE À HORA   O dia termina como inicia – repleto de intenções e escolhas:   o equilíbrio das cores, prefácio que explica a obra, a eterna dúvida do fim.   Meio-termo entre poesia e prosa, cinza do céu, garoa fina.   Esperança do beijo, amor rente à hora, sina cercada de aço.   Um rosto desconhecido: troante desejo deste abraço mudo.   FACTUAL   Nada pior do que a certeza Arrisco um olho ao risco do espaço desabitado a...
Leia mais

NOVE POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

Imagem
  BILLIE HOLIDAY PROIBIDA (Strange Fruit)   amarga colheita essência magnólia sangue nas folhas sangue nas raízes frutas estéreis frutas estranhas   ... penduradas nas árvores   olhos retorcidos boca inchada sol apodrecido vento chuva frutos caídos frutas estranhas   ... para os urubus comerem   caricaturas-grafites lágrimas de pedras sangue nas folhas sangue nas raízes frutas negras frutas estranhas   ... então o repentino cheiro de carne queimando   FALO DE FLOR   flor estrelar luminescente    bifurca de azul árvore solitária   flor solar a árvore goteja punhais de sangue sobre raízes rosa   estrelou-se luminescente dama da noite   para sangrar o amanhecer     BATUQUE PERFUMADO   cidade cicatriz sangra o silêncio do sistema   recantos vazios decoram o palácio do espanto ...
Leia mais