DOIS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA
QUANDO A BELEZA
RUGE
I
infante insone
anseia o nítido
raio matinal.
todavia à volta
tudo trovoava
no desvão escuro,
compacto
naquele quarto.
de súbito
esse tudo se reduz
a intenso ruído
qual como que
saído bruto
de tenebroso
pesadelo
troveja terror
madrugada orelha
adentro
olhar relâmpago
rasga-véu
noturno cinza
céu soturno
âmago do medo
nu em pelo
impulso arrepio
rebenta poros
puro tremor
retumba dentes
antes da calma
(sacada às pressas
apenas entrevista
numa ainda
vaga mirada
encerrada no
quarto)
nada termina
e inunda de nada
silêncio cheio
do chão da sala
II
porque como
tão remota cena
retoma sinistro
mote?
remontada justo
quando o repouso
corado do corpo
(não dum sonho)
mas de salgada
marinha vivência?
como porque
essa cena inventada
insiste
em meio ao mar
contente
do adulto fascínio
em arquipélago
distante?
nessa quase miragem
nomeada
no som distorcido
de esquisito nome
antigo, colonial,
paira o ar da
graça:
Fernão de Loronha.
paragem do
paraíso
perdido vasto
vão oceânico
donde irrompe
vulcânicas belezas
rochosos achados
em cumes buracos
cardume golfinhos
caminham no corpo
humano deslumbre
III
esse sol farto
isola zonas
com timbre de
sombra,
marcas de um fado
dado a exílio e
morte
aí mesmo
(pasmem os crentes
num coerente
desígnio!)
onde se empresta
às coisas e bichos
soltura e futuro
encanto e
encontros...
foi um dia signo
duro encravado
de clausura
duradoura
homens consumidos
no preparo da
guerra
ou destinados ao
degredo
onde se escondeu um
dia
presídio para
párias
e um outro
bélica base
estrangeira
e um outro mais
Arraes,
capturado
em voo livre
IV
quando onde
ocorreu aí
vestígio
disso que retorna
das minhas
submersas
íntimas águas?
há, quem sabe
haja lá,
incrustada
na fenda aberta
da pedra basáltica
uma chance única
da tal experiência
intensa, perplexa?
V
no 'mar de dentro',
avesso ao africano
continente
longínquo
(somente apontado)
um renitente
eco rouco
responde da escarpa
invadida de ondas
surge grave
semelhante
a si mesmo
esse som
jamais olvido
rugido alto
repetida cadência
qual fora um Sísifo
ardido de sol
exposto ao vento
de trópicos
desalojados
preso nas pedras
imerso entre fendas
onde urde sua sina
carrega ar
retorna rugido!
terá sido
essa estranheza
entranhada
em esplendor
isca afetiva
esquisita,
insólita,
que fixou
esta tormenta
em mim?
talvez desse
evento
improvável opaco
num belo claro dia
tenha se forjado o
elo
onde se assenta
o melhor que sobra
das sonoras ondas
temperadas no tempo
posta
à beira
da lagoa
a rã não
suspeita
do arremesso
de si
nem da escrita
que dele escoa
nem que
este gesto
haveria de saltar
sem cessar
séculos e páginas
a rã sabe bem
de nada
já Bashô
basta-se em saber
do outro
o que dele
escapa
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