UM TANKA + UM HAIBUN DE CLAUDIA SLAVIERO
TANKA I
vento fiandeiro
sobre cume da montanha
urde fios de sol
cerra o dossel de algodão
ama da dama branca
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Praia
das Cabras
Quando
as construções escasseiam, a estrada
toma
um trajeto retilíneo, ansioso, como
a
mostrar que não se deve permanecer mais
do
que o necessário.
Ao
pé dos cômoros, as casas confirmam a urgência. Janelas são órbitas vazias por
onde
o
vento irrompe, e o vão das portas, bocas
a
cuspir areia. Muros e paredes cumpriram
seu
tempo.
maré enchente –
com
pressa arruma a toca
um maria-farinha
A
região é de dunas livres. Ao regime dos ventos, areias praiais deslocam-se e
transgridem terrenos mais antigos de vegetação quase ausente. Lençol alvo que ondula
e se afasta da costa, a cobrir montes e vales.
Antes que o asfalto transpassasse um dos braços deste corpo, cabras de sítios
do interior chegavam à orla marítima, dando nome ao lugar. Circulavam por
recônditos de águas claras frequentados por aves migratórias, que buscam nestas
lagoas temporárias, alevinos e insetos, criados ao abrigo da constelação de nenúfares
brancos.
sol
do meio-dia –
incontáveis libélulas
tornam
o ar mais leve
Povos
originários fincavam morada
continente
adentro, às margens de lagos perenes
e
bordas das florestas, abrigados da ventania incansável. Este era local de pesca
somente
nas
estações em que os deuses prendiam Ipupiara
no
fundo do mar.
Atrás
da primeira duna, próximo à praia, a única árvore nesta vastidão é uma casuarina
com cerca
de
seis metros de altura. A estrangeira de face enrugada sobreviveu às cabras e ao
vento nordeste, dando-lhe as costas nuas; teimosia que garantiu a idade e uma
corcunda. A cabeleira espinhosa, a pender
para o sudoeste, não confere aspecto deprimido, mas sim, de fúria rebelde.
A
seu lado outro resistente improvável:
uma
cabana com paredes de galhos e tábuas; refúgio de pescadores sazonais, que
confirmam
a
sabedoria ancestral.
vento ciclone –
somente
a sombra da ave
se prende à terra
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