TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

 








HERÉTICA

 

espinho

rabisca nuvem

 

tinta-luz

no trovejar celeste

 

lágrimas vermelhas

precipitam

 

sobre o corpo

transitório

 

como as palavras

quase inteiras

 

derramam o poema

em gotas

 

*

ventos de abril

perfumam a noite –

murta-de-cheiro

  

VIGÍLIA

 

na tarde corre uma linha

que se estende pelos limites

da terra em fervura

 

noite e dia contidos

a se manterem isolados

no cenário do mundo

 

de cada lado vagam versos

perplexos e herméticos

como uma lista de promessas

 

não fosse pelas fraturas

que o tempo jamais ignora

teria atenção

 

essa escolha aleatória

claro ou escuro

ruído ou silêncio

 

 

UNHAS SUJAS

 

faltava-lhe no rosto disforme

o sorriso plástico

de quem não tinha nome.

 

olhos espetados no vazio –

traços de um corpo perdido

feito um personagem falkneriano

 

com língua solta a dançar

sobre a laiva sintaxe do texto.

murmúrio indefinido diante da vala

 

terra aberta debaixo das unhas

como se plantasse crisântemos

e fosse alérgico ao toque.

 

lembrança permanente

da homenagem em bronze

sobre o granito soletrável

 

visão neo-noir da realidade.

passeio temporal

num plano contínuo:

 

sua herança urbana –

quina indiferente à cidade

que se apressa ao porvir.

 

 

 

 

camuflagens

 

(cores desbotam outonos)

 

um anão azul

na vitrine das horas

vigia o portal do jardim

 

insetos se perdem

dentro das ramagens

à procura do próprio nicho

 

borboletas parem flores

rito que ignoram

feito mote de vida

 

**

 

aviões cruzam o céu

de eslava terra

coberta de neve

 

(em perspectiva

pintam o chão de sangue

e cinza)

 

**

 

no assoalho do mundo

repousa em silêncio

a digital dos seus pés

 

e a ideia do caminho

(luminoso ponto

sem movimento)

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