SEIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO
METAVERSO
I
Olhar incrédulo pela
fenda
que descortina o
escuro.
Cai a noite no Japão
enquanto aqui o dia
arvora
em dogmas de luz
e escolhas cruciais.
Feições somadas à
vida
onde a dor é real:
vejo todo sofrimento
escorrendo do seu
rosto.
II
O que querer nessa
construção
de amanhã possível?
Um cacho de palavras
dos seus cabelos
encaracolados.
Histórias sem limite
de tempo
e desejos
imperceptíveis.
(Quantas imagens
cabem
no semblante triste
da tarde?)
III
Minha feição de ontem
na manhã desse
espelho:
olhos vermelhos
rasgados em dramática
cena –
céu azul de papel
no horizonte
rasurado.
Palavras ínfimas
a reinventar na terra
paixões agregadas
a sentimentos comuns.
IV
Como edificar o corpo
em grãos de acasos
(átimo do tempo
de indestrutível
silêncio?)
Um poema a mais
no prenúncio da voz
somada ao caminho
de aparentes passos
antes de se perder
na motivação do
vento.
V
Minha ausência é uma gota
pendurada nos olhos
(reflexo prismático
do espelho sem
derme.)
Passado que agoniza
em sutis lembranças
são espaços vazios
de arquitetura tardia
–
linhas retas que
sobressaem
na paisagem imóvel.
VI
Lugar preciso é uma
descoberta –
espaço pulsante do
verbo –
como se o resto do
poema
não precisasse
existir.
INSULAR
no fundo (tudo ali no
mais
fundo), onde a
imensidade é
maior por ser escuro,
esse rio que nasce e
morre
longe do mar, esconde
se-
gredos e teimosias.
remar de margem a
mar-
gem compondo
círculos, des-
compondo simetrias,
desejos,
esforços musculares
dos múltiplos
movimentos, sem
precisar
tempo e cansaço
(como quem carece
se salvar.) náufrago
lançava âncora
imaginária bem ali
no cavado leito,
quando
a dor
e
o suor
salgavam o doce
enredo.
e ali no centro
especular
da noite, permanecia
bardo-barco
uno objeto em
completo estado
de ilha.
SAL DA MEIA NOITE
I
Primavera em São Paulo – não havia
grande movimento nas ruas. Poucos bares
a brindar setembros, longe da arte
de fazer o tempo dobrar.
O silêncio da noite era leito de insanável
apatia. Sentados na sarjeta, nós dois
exatamente no meio fio da nossa história.
No início, pedras e descaminhos que levaria
ao fim – a lenta cadeia de acasos
que culminou na elipse de fria narrativa.
Nessa véspera, porém, quando o movimento
da lua às margens do rio derramava
místico olhar, ainda estávamos juntos –
felizes na cidade ora entristecida.
Uma flor sem nome, colhida na fenda
da calçada: pétala dentro da "rosa do povo",
vestígio de um amor asfaltado
que não repetiu outra estação.
II
Uma vida depois (herança de cicatrizes
em outro projeto geográfico), novos mapas
ao redor do mundo.
Coincidências não formaram trajeto
da união predestinada: esquinas, becos,
horizontes incertos – a confusa metafísica
de um sinuoso caso de amor.
Seria preciso cavar túneis, inventar frestas,
reaprender a história de cada lugar,
a palavra de cada momento, que soubesse
transpor estações.
Escrevi seu nome tantas vezes dentro de mim,
mas aqui continuo só
e já não posso fazer mais nada.
NÃO-ME-TOQUES
o dia raiou
entre os trópicos -
acorda, dormideira.
folíolos em prosa,
Mimosa pudica
seu intento:
torna-se sensitiva
em ágil movimento.
a noite caiu
entre os trópicos -
dorme-dorme
arbusto perene.
não encene maria-
fecha-a-porta:
a noite é torta,
morre-joão.
***
Ela tinha uma maneira estranha de existir. Meio
póstuma, encarava o mundo como quem escrevia o próprio obituário. Parecia viver
apenas para saldar pecados. Ela se foi há sete anos sem perceber que tinha ido.
Todavia, carregando a esperança que sempre guardou, de que a vida se inicia
pelo fim.
indolente
Caracol,
lento, lento, lento – sobe
o Fuji
ao sol
torna-se
brilhante
o rastro de gosma
(a pista)
na qual
lento e arfante
desdita
(sisudo relato da
despedida
num diário esquecido
sobre a mesa)
acaso de grave
desencontro
rascunho cruel do
sentido
que fluía, estradas e
destino.
um nome tachado em
vermelho
odiosa palavra entre
parêntesis
não tornaram suave o
tempo.
feito céu escuro
sobre a terra
a lua enraivecida
incita o mar
(com voz murmurante)
afoga na lembrança
indizível idade do
espanto.
*
seja tão somente
sombra
quem dirá do amor
aprisionado?
traço submerso na
íntima substância
em afogado silêncio –
mero detalhe atrás da
máscara
onde esconde sua
linhagem
e as diferenças que o
tempo marcou.
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