DOIS POEMAS DE CLAUDIA SLAVIERO

 








CARTOGRAFIA

Meu papel diz que nasci aqui. Digo que não, mas explicaram que o aqui não é  só a vila. O meu pago é maior: casario, campo, coxilha e mata; feito um corpo, com braços pra lá e pernas acolá.  Se é assim, brotei no sovaco do mundo. Não torce o nariz, meu bem... (Posso te chamar de meu bem?) O sovaco não é ruim. É meio acantoado, então tem sossego, é morno, como a saudade que sinto de lá. Tem a penugem, que era o pasto onde eu corria; onde não tinha capim, meu pai plantava.  Jogava a semente na terra, na minha mãe, e colhia sempre. Num ano milho, no outro, bacuri. Quando ele se foi, a mãe ficou com os filhos homens, que tinham aguente pra tocar o que o velho começou. E achou de mandar as filhas correrem. Eu parei na vila, que pra mim não é o umbigo, é mais abaixo. (E não é, meu bem?) Aqui vens trazer teu gozo, mas sei que nem sempre é bom, porque já te vi chorar. Então, dorme no meu braço, que num tempo cheira a flor de laranjeira, e no estio, a capim-cidreira, como lá no meu lugar.  Aninhado em meu abraço, és mais feliz, como eu era, no sovaco do mundo.

 

 EX NIHILO

 escriba grafa o poente

com penas de flamingo

- qual o princípio?

poema ou de-

lírio?

 

enquanto a pá

lavra na língua

um deserto

o útero gesta

gêmeos

Amar

e Martírio

 

não suplique a cupidos

(tímpanos rotos)

expulsos dos templos

- Verbo é o sagrado

 

sacerdote sem(i) deus

engendre orgias

entre Eros

e Thanatos

(gerem

quimeras!)

e povoe o uni-

verso

 

 

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