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Mostrando postagens de dezembro, 2020

UM POEMA DE DANIELA PACE DEVISATE

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  HORTUS CONCLUSUS   Em sonho invadi o teu jardim fechado.   Enveredei por uma das quatro alamedas que levavam ao centro da fonte rumorejante.   Sentei-me à sombra de uma oliveira antiga onde o Amor e a Pureza entrelaçavam seus caules.   Num caduceu silvestre um roseiral florescia em pleno inverno.   Lá colhi a flor que nunca morre.   Ela era transparente mas às vezes se tingia com a cor mutável das nossas auras.   Guardei a flor junto ao seio e ela perfumou o leite que escorria sobre o Livro de Horas.   Assim alimentei a criança que tinha na testa a insígnia do sol.   Depois que ela adormeceu deitei-a  em seu berço de relva.   Chamei o unicórnio abracei-o beijei-o montei em seu dorso e voamos de volta.   As lágrimas de antecipada saudade me nublaram a visão: quase perdi a porta estreita por onde devia regressar  

DOIS POEMAS DE EWALDO SCHLEDER

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  ALÉM DAS FOLHAS DO OUTONO O homem procura sua sombra enquanto as luzes acendem,  sentidos que a sombra sabe de cor. As luzes dos outros assombram vaidades escuras na dança, solitários se estranham assombrados nas sombras.  Sofre o esquecido de si  à sombra da assombração - e do que adianta isso agora, se a luz da casa já se apagou?   O que será do noturno sopro festivo  além das folhas do outono? NOS BRAÇOS DO DIA Pelo vidro da janela Raiando a manhã avisa o sol que o sonho da noite mudou de plano, como a lua na tarde ou as cores do anoitecer. O deus dos sonhos sai de baixo dos lençóis para trás das nuvens. Lá se vai Morfeu, ele próprio a cair agora  nos braços do dia.

UM POEMA DE PAOLA SCHROEDER

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  O OLHO DA LUZ VERMELHA Nas costas o aço atraca derramando pessoas Esta Veneza de astrolábio partido encerra destinos em suas vielas Passos desnudam as calçadas procurando pouso Já é hora de a noite banhar-se pelos canais A multidão aflora pelas portas dos bares que se escondem gentilmente das vitrines Tráfico legal da carne Nu exposto em euro Sexo dentre as muralhas o amor é feito em notas na casa de Rembrandt e Van Gogh

TRÊS POEMAS EM PROSA DE LOURENÇA LOU

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ORQUÍDEA antes do jantar, o menino leva um tiro. mulher é jogada pela janela. poeta toma um porre de desilusão. flor morre no asfalto.  minhas pernas fraquejam, por falta de vitamina d. a pandemia insiste, persiste, resiste. tempos atrás, a salvação foi prometida por um novo messias, trazendo armas e um exército de impenetráveis intenções. a vida não tomou novos rumos. a vacina comunista não é aceita em país fascista. idosos morrem sem oxigênio. meninos se perdem em cracolândias. mulheres são mortas mais depressa. minorias são a maioria dos desamparados. procissão crescente de perseguidos a carregar cruzes do avesso das leis.  por entre as mãos escorrem lágrimas e detergente.  a pia se enche de impotência e indignação.  não me conformo em apenas chorar sobre a louça do jantar. drummond levou para sempre sua orquídea. SEM BÚSSOLAS OU ÂNCORAS teu fascínio não está na visão de meu corpo de iara, emergindo das águas. ou em meu cheiro de fêmea quando buscas vida no pulsar dos meus seios. ne

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  SUPER-HOMEM ESTÁ MORTO achei a kryptonita que matou o super-homem. era verde, amarela, azul, branca? _ ela era multicolorida, trazia o sono de todos os dias_. super-homem foi visitar batman nas proximidades de gotham city, quando da caverna uma pedra caiu, rasgando a sua cabeça. o sangue descia pela testa, manchando a abjeta fantasia apertada. surpreso com o líquido vermelho, super-homem, imóvel, perdia as forças, voz, cueca, cor, capa, óculos, de repente tudo ficou escuro. todos sabiam que super-homem era invulnerável, mas que ele nasceu para ser um grande otário. super-homem morria na entrada da batcaverna. super-moça de tristeza chorava, o seu pranto inundou o planeta. batman, com vergonha, até se casou e robin no mundo do crime se infiltrou. achei! a kryptonita que matou o super-homem, a kryptonita que matou um grande otário, o super-homem, um grande otário. A CHEGADA  Emilly e Rebeca jogam amarelinha, embalam  bonecas batons bambolês. Pedro e Kauã empinam papagaios, fantasiam tê

DOIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  CENAS URBANAS I Aos sete anos, C. começou a ter visões. Foi logo após perder a mãe para o vício. Viveu com a avó até os doze. Morou nas ruas desde então. Graças à praga do quinquênio foi presa num bar. Comemorando o aniversário de dezessete. Bebendo a herança etílica do pai. Fumando a morte anunciada da mãe. Inquirida, cantou as dezenas de homicídios cometidos. Crimes nunca registrados de pessoas, jamais reclamadas. Ao delegado, declarou que tentava deixar o mundo melhor. Ao padre, confessou que estava cansada de matar. Foi encaminhada ao sanatório depois de rezar mil ave-marias. II Ontem, o jovem Gabriel morreu acidentalmente. Atravessou voando a esquina da Rua dos Crentes – Jardim Paraíso. Impreciso, bateu de frente no lotação. Houve inútil socorro. Rezas sinceras. Literal comoção. Hoje, ouve-se ainda lamentos. Sentimentos de perda e pena. Amanhã, apenas as marcas de pneus e de sangue no chão (quando as chuvas vindouras, testemunhas do tempo, lavarão). POETA ACIDENTAL 1 poesia é a

UM POEMA DE REGIVAN SANTOS

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  o ruído do travesseiro me assombra arranca pesadelos que não conheci sou outro com as mesmas veias na mão a ausência de roupa é eterna – ternária não tenho o chão para fugir as árvores se escondem e as casas não existem mais                          janelas flutuam desvendando o sol