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Mostrando postagens de abril, 2022

QUINZE HAIKUS E DOIS TANKAS DE CLAUDIA SLAVIERO

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  quaresmeira em flor – púrpura é a cor do vento ao entardecer   ***   café para dois – cambacica na janela ao sol de outono   *** sob as marquises muitas mãos estendidas – estrela cadente *** primeiro frescor – desconforto dos dedos no sapato fechado   *** iluminação – pergunte por Li Po à lua da lagoa   ***   trilha de folhas – guardo no xale o calor da tarde *** lua nova – vozes da esquina calam coaxar nas poças   *** volta às aulas – aluno atento à geometria da borboleta   *** branca a página do caderno de haikus – névoa da manhã   *** antigo casaco servirá em outro corpo – vento da estação   *** neblina – cortina de cambraia na janela do dia *** pôr do sol de verão – ao pescador não importa tarrafa vazia   *** noite de outono - canto do inseto na blusa da moça   *** dorme um sapo no bebedouro do cão – tempo de estio   *** gatos no telhado - concertos de madrugada sem dó de mim   TANKA 2   retornam mais cedo aos trapiches da barra, barcos pesqueiros   nuvens são apenas nuvens para

POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  ARMISTRONDOS SILENCIOSOS   no corre-corre da cidade anglófonas matam francófonas Camarões segue sem nada sol a pino (calor) dias tensos   no metrô lotado das tardes sauditas explodem iemenitas Paquistão Filipinas Iraque sol poente    (frescor) noites tensas   no cotidiano cobiçado etnias destroem etnias Líbia Mali Moçambique escuridão lua-nova (terror) madrugadas tensas   amanhece neblina polícia milicia extermínio   Colômbia Brasil México o sol cresce (pavor) manhãs tensas     PEREGRINO   *   famélicos tropeçam nos cadáveres pulôveres vestem corpos esqueléticos   voos negros chicoteiam o efêmero pássaros raros revoam em círculos séculos cerram as janelas do exagero   ** corpo conforta-se no papelão vestes leves no quase-morto   o cão de olhos caídos assiste imóvel aos passantes despercebidos da falta de ar  

DOIS TANKAS DE JORGE AMÂNCIO

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  TANKA 1   famélicos tropeçam nos cadáveres pulôveres vestem corpos esqueléticos   voos negros chicoteiam o efêmero pássaros raros revoam em círculos séculos cerram as janelas do exagero     TANKA 2   corpo conforta-se no papelão vestes leves no quase-morto   o cão de olhos caídos assiste imóvel aos passantes despercebidos da falta de ar

UM POEMA EM PROSA DE CLAUDIA SLAVIERO

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  esquecimento é o sótão que acolhe chaves sem uso, meias ímpares e a essência dos sonhos; lugar de meia luz, suficiente para encontrar o aroma de ervas da avó; ecos do beijo da mãe na antemanhã; pesadelos são hóspedes em porões; é preciso aprender a apneia e aparatos para suportar o frio abissal: pulque ou psicanálise; (um anagrama para pesadelo é “pães de ló”; delicados à primeira sensação, mas de penosa deglutição); mesmo um sonho perturbador inicia com suave pouso das pálpebras.

SEIS HAIKUS DE SIDNEI OLÍVIO

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  PANANPANÃ   lagarta inventa o fogo nos ramos da epiderme *   crisálida dorme sem pálpebras bicos de aves   * lagarta pendurada no galho metamorfose de asas   * borboleta de seda veias vibráteis sob coloridas escamas   * paira nas flores com língua revoluta sorve a seiva   * fertilizada     abre-se em círculo biológica repetição          

TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  HERÉTICA   espinho rabisca nuvem   tinta-luz no trovejar celeste   lágrimas vermelhas precipitam   sobre o corpo transitório   como as palavras quase inteiras   derramam o poema em gotas   * ventos de abril perfumam a noite – murta-de-cheiro     VIGÍLIA   na tarde corre uma linha que se estende pelos limites da terra em fervura   noite e dia contidos a se manterem isolados no cenário do mundo   de cada lado vagam versos perplexos e herméticos como uma lista de promessas   não fosse pelas fraturas que o tempo jamais ignora teria atenção   essa escolha aleatória claro ou escuro ruído ou silêncio     UNHAS SUJAS   faltava-lhe no rosto disforme o sorriso plástico de quem não tinha nome.   olhos espetados no vazio – traços de um corpo perdido feito um personagem falkneriano   com língua solta a dançar sobre a laiva sintaxe do texto. murmúrio indefinido diante da vala  

UM POEMA DE NARA FONTES

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  FUGA marco do tempo compasso das horas soletra alfabeto paleta de cores matizes no olhar circuito de fugas  circunda chegadas libera partidas ensaios de estreias deixadas para trás cedo ou tarde refúgio do instante presente é passado reaprendo a chegar  

QUATRO HAIKUS DE NARA FONTES

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  Réstias de sol tateiam outonos frestas espreitam   ***   Raios de sol brincam na manhã feito malabares *** Gota de orvalho congela a noite desafio na manhã *** Abelhas no mel flores de sal fim de verão

TRÊS POEMAS DE JOSÉ RICARDO

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  UM PLANO-DETALHE DE DARIO ARGENTO   A mão na luva corre   ao estilete espalha gritos   só uma gota escapa   ****   I. banco de areia perna prateada espreguiça o guarda-sol   II. as drágeas rosas se confundem com azaleias   na brancura do hospital   III. no boca a boca poema pílula é moeda de troca     BIOTÉRIO   No biotério da alma vermes pululam versos fermentam tênias de lombrigas à boca do estômago intestino grosso metro do ritmo circadiano acrobatas vão dos alvéolos a voz do vate empertigado ao vaso em que escondem sonetos encaroçados        

TRÊS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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IDENTIDADE   aquele branco fosco do olho de um cego preto me mirava fundo, alcançou o oco que habita este branco corpo afeito à imagem de mim     CAOS NOS TRÓPICOS   I   entorno todo queima ardem olhos fumaça e lástima caules ainda vivos urgem   onde estão os anjos caídos da ânsia de qualquer socorro à mata feita inferno?   promessa de salvação nebulosa anestesia braços já exaustos tudo extinto em calor   guincho d'água mãos impotentes se apaga em meio ao fogo obsceno   voluntária brigada luta desigual contra perverso cálculo de descaso   II   figuras anímicas de cabeça pra baixo como aquele bicho chamuscado, ali   como outros restos de troncos que habitam brasas incansáveis   tão duradouras quanto este vento escaldante de arrasto oeste   quanto estes sonoros creptos de pau seco queimado . quanto este chacoalhar de cobra coberta em preto pó   III