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Mostrando postagens de janeiro, 2022

UM HAIKU DE MARIA MARTA NARDI

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Noite branca de outono ondula no mar o corpo da lua.

TRÊS HAIKUS E + UM POEMA DE CLAUDIA SLAVIERO

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  várzea se despe sob o olhar das garças- colheita do arroz   calmaria - moldada à bunda de Buda pedra do riacho   noite de luar pita o cachimbo apagado velho pescador *** BORRA   busco o poema na liquidez dos dias escoando por ralos, salobro ou saliva.   vapor barato, carbono expulso a suspiros, de alvéolos áridos fartos de sarro.   resiste atrás de armários, entre gavetas e guardados, sob minhas unhas, incrustado.   borra de tumbas; à margem da estrada tingindo folhas; pó, e mais nada.

TRÊS HAIKUS DE GUSTAVO RODRIGUES

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  vento de verão mãos na cabeça mangas ao chão   manhã sem vento canto de pássaros abre-se o verão   sol de verão rio passeia pela cidade barco contempla  

DOIS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  sacerdotisa regente do inferno canções nostálgicas nefastas flutua no onírico espaço inverso mágica criatura, ilusão das trevas purpúrea rosa droga-flor satírica esconde rijo a mudez do sorriso esquiva-se metáfora da crítica deita-se na chuva de granizo grava mensagem na flor-tatuada aflito caminho do amigo caído nem artista, nem vanguarda, nada a garganta que não canta espanta certeiro granizo brutal punhal preso num absurdo grito gutural   LÉ COM LÉ, CRÉ COM CRÉ   filósofo tutor hip nótico renato fac símile um lato negro espelho nogueira   certeiro sal tim banco contra mal ogro dis sol veu pro nome negro    

SEIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  BOTÂNICA OCULTA 1. na planície do vaso rizoma retorce o corpo até perder a terra e ganhar desenho do espaço. despontam insistentes brotos num movimento aflito – fuga de mudas que guardam herança de possíveis milagres. o que poderia haver no vaso além da planta exata em seu drama ontológico de repartir-se para multiplicar? 2. na planície do solo a flora nativa (imóvel em seu encanto) espera consciência dos seres alados – bicos e bocas além do vento espalhando esporos e sementes. sob olhar incrédulo da manhã (móvel em seu espanto) raízes alastram anseios no hábito de existir entre as tramas da filogenia.   o que poderia haver no solo além da evidente matéria que faz a terra ser terra um pretexto para a planta?     DOIS HAIKUS E DOIS DÍSTICOS   primeiro verão - sobre a pitangueira florida enxame de abelhas   estação chuvosa - na orla da lagoa martim-pescador   O vazio de dezembro preenche os olhos de janeiro.

TRÊS POEMAS DE MÁRCIA TIGANI

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  O TIGRE DA ESTEPE   Vem da estação fria a grama queimada em terra estéril   O arrepio na espinha e grandes olhos negros como nanquim   vigiam o mundo sondam seus perigos sublimam   diástoles   Pressentem asteróides sobre cabeça e torso e com assombro     olham da planície à diátese descobrindo a solidão (só a palavra o acompanha)   As dores estão guardadas numa caixa de metal à espera da partida   Morrer tantas e tantas   vezes   e retornar    à estiagem como pedra, argila   ou totem     EM TUAS MÃOS   Permito-me   toques assim ávidos tímidos, ousados     Língua a deslizar pelo torso a descobrir    grutas onde pulsa Eros   E no subversivo desejo derreter- me.   EROS Entre o risco e o arisco há   sempre Eros        

TRÊS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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  HÁ GOSTO   quase colheita tez da fruta pulsa cor. açucarada madurez anuncia núpcias: polpa e saliva   ***   cílio adorna olho que adora lírio... do nada cílio caiu como incômodo cisco: lírio vira risco. a beleza em flor se embaça   ANNUS MIRABILIS   dentro do ano de 1942 nasce Pedra do sono dedicado ao pai do poeta e dentro dele o poema Dentro da perda da memória . Dentro do ano de 1942 nasce meu pai e dentro dele um desejo. Dentro do ano de 1942 nasce o pai da minha mulher e dentro dela outros filhos fariam memória. Dentro do ano de 1942 nasce Caetano e dentro dele outras perdas outras pedras fariam poesia. Tanto melhor! Pois preso dentro da memória atávica há sempre o mesmo sono. Não há salvação fora do contingente tempo invento. só ao se dizer de través, via equívoco, de dentro do ano de 1942 (ano díspar) se escapa.  

QUATRO POEMAS DE JOSÉ RICARDO

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  MÃE D'ÁGUA PARIA CARNEIROS   vertem ventres águas-maré bebericavam cantigas bebiam   vertem ventres águas-riacho consolavam cistos consolam   vertem ventres águas-ipuera decantavam cateter decantam   em rebentos vertem-ventres faziam enxurrada fizeram   IN ROMA   Rouges picham garatujas varizes no rosto marmóreo cidade venérea   ESBOÇOS DE UM PASSEIO NA ORLA   o protetor solar nos olhos não disfarça o mendigo da Jatiúca   o protetor solar nos olhos não esconde as putas do Jaraguá   o protetor solar nos olhos não mascara o velho gamão     SANTA XXX OU DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO   Um urubu – grilhão devoto açoite maculado — oscula   as chagas (via-Crucis) de um cavalo multigolpeado — tsico e manco   amêndoa purpúrea relva enlameada

TRÊS POEMAS DE CELSO VEGRO

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  APAGADO   Quero a vertigem dos sonâmbulos e a incerteza de passos rarefeitos.   Ao traçar percursos enigmáticos, na fronteira do finito, encontrarei a ternura dos extintos.   INTERVALO   Palavra é sopro que não contempla espessuras – natureza material, tampouco expressa os limites de sua finitude.   Poema é fruto do silêncio que rege a vida das pessoas, suas formas, gestos, dimensões, náuseas.   SAL DE MALÍCIAS   Percurso monótono de carrossel cópula ofídica de silêncio e imobilidade, para algum lugar em lugar nenhum.  

A QUEDA

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  (cadáver delicado) Na ciranda das coisas do tempo tatuagens no espaço memórias sonares e o inesperado e inóspito futuro aconteceu areia e limo recobrem teus seios e água reflete teu sexo em flor. O Messias andava cheio de si: sofria de obstrução intestinal, cadáver a cada verso redivivo. Qual faca fina amputa  o raro do putrefato? Vento serpente 7 uivos arco-íris. Seu olhar anfíbio de pupila dupla vagueia pelos sentidos da Rosa-dos-ventos. Pele sem remédio tatuada de tédio. Cissura de pupila atemporal dorme na linha da crise, afetuosa seja a reunião com o meridiano septal. Deserto assombrado, sem sombra. A casa caiu. O rei morreu abaixo o rei!   (Celso Vegro, Dirce Carneiro, Carlo Fabrizio, Márcia Tigani, Maurício Simionato, Nilton Cerqueira, Jorge Amâncio, Alejandro Lloret, Carlos Besen e Nara Fontes, Maria Jacyra Lopes, Maria Marta Nardi, Rosane   Raduan e Claudio Daniel)

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

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  MINAS DE ANDRADE     o vento ventando na folha amarelou a eternidade no chão o tempo rodando soprando e girando sementes do sim e do não   vou chegando em alta voltagem conjugando pingos de chuva sou artesão e faço perguntas minha caligrafia nuvens caindo cada vez mais leve   perdi a chave rara de abrir na rocha a água do mar transmuta em minas ondas são montanhas é fora é dentro em todo lugar ebó ipilé  ebó iku    no cafundó em monjolos na cachoeira quilombinho em calunga córrego cachimbo congo velho calundu cafundão no cafuringa do cafua  nas pedrinhas do rio angu nas margens do rio calindo   procuro a chave rara de abrir na rocha a água do mar translúcida em minas ondas são montanhas é fora é dentro em todo lugar ebó ipilé  ebó iku    tem caxambu em muzambinho pimenta roxa na serra do maribondo tambor na chapada da zabumba ervas causos e iorubá e nagô gege mina mandinga e haussá banto angola e co