DOIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

 

CENAS URBANAS

I

Aos sete anos, C. começou a ter visões. Foi logo após perder a mãe para o vício. Viveu com a avó até os doze. Morou nas ruas desde então. Graças à praga do quinquênio foi presa num bar. Comemorando o aniversário de dezessete. Bebendo a herança etílica do pai. Fumando a morte anunciada da mãe. Inquirida, cantou as dezenas de homicídios cometidos. Crimes nunca registrados de pessoas, jamais reclamadas. Ao delegado, declarou que tentava deixar o mundo melhor. Ao padre, confessou que estava cansada de matar. Foi encaminhada ao sanatório depois de rezar mil ave-marias.


II

Ontem, o jovem Gabriel morreu acidentalmente. Atravessou voando a esquina da Rua dos Crentes – Jardim Paraíso. Impreciso, bateu de frente no lotação. Houve inútil socorro. Rezas sinceras. Literal comoção. Hoje, ouve-se ainda lamentos. Sentimentos de perda e pena. Amanhã, apenas as marcas de pneus e de sangue no chão (quando as chuvas vindouras, testemunhas do tempo, lavarão).



POETA ACIDENTAL


1

poesia é a privação do silêncio prefaciou o poeta em seu roubo. o silêncio que agora é quase insuportável quando a mão escassa de palavras adia qualquer possibilidade. a obsessão do gesto se antagoniza ao deserto dos papéis repetidamente embolados. nenhuma imagem provê a necessidade do verbo. nenhum rumor. nenhuma lembrança. nenhum influxo repentino. 


2

à beira do colapso o eremita se projeta no parapeito e atira letras esparsas palavras improváveis frases desconectadas grafadas amiúde nas folhas amassadas. uma atmosfera ready made jamais prevista por tzara além da espontaneidade do espetáculo. 

(na madrugada um gari aleatoriamente mistura o catado e não fosse pelo sono de mecenas se tornaria poeta).



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