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Mostrando postagens de novembro, 2021

UM POEMA DE SCHEILA DI SODRÉ

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  CHECK IN MATE   expresso rigor mortis pé de sapato jogado outro perdido vidros largados no gabinete sem medicação sol azul-liquor cabeça de saci sem doces cadáver abóbora sem ninguém ainda assim viver precisamente sem fobias ou martelos enclausurado finado findo mundi.

TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  TACITURNA   estática sobre os aguapés a garça represa sua graça pela lua assombrada que engole feito um peixe pelo peixe rente aos pés que engole feito a lua   GESTAÇÃO   1          barro moldado em carne viva   2           malícia do gesto   3           destreza que inspira o corpo em luta   4          delírio medido pela trêmula matéria ao impulso da mão   5          dor em cadência oposta aos talhes do cinzel   6          geométrico conflito que se revela origem   7          equilíbrio mágico do palpitar efêmero   8          desde a imagem de ontem ao primeiro grito   9          sopro que lhe soa pó do princípio e fim   A ROSA E O BEIJA-FLOR   o bem-te-vi, rosa não foi aquele que um dia te beijou   o colibri, rosa que deu um beijo depois se apaixonou   mas não por ti, rosa bem mais mimosa encontrou um grande amor    amor-juntinho, agarradinho não anda mais por aí de flor em

DOIS TANKAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  torre da igreja sino badala enredo de sete dias   solene torpor da partida     se o destino é noturno resta saltar escuros plumas de ícaro   o ato de voejar conjura céu abstrato  

DOIS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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  RAVEN, EVEN MORE   jamais o plano de pouso do corvo na folha abolirá o torto acaso da escolha: por mais fingida a dor infinda deveras se demora mais, ainda   SAGA AGUDA DE UM UIVO I sim, ouvi teu uivo, Allen!   senti o ritmo da tua falta de ar. ofegante, saltaste degraus escalada descendente como seixo que rola ladeira ocidental abaixo   foste, tu mesmo, o descaminho acompanhado de bardos raros brados mal-entendidos em meio à hoste hostil avessa a gretas buracos becos   horda oclusa ao espaço expandido das consciências retorcidas, esculpidas em entalhes, em delicadezas penetrantes   desfiguraste, Allen, a férrea ordem corroída na ferrugem de um Eros enfermo de tantos receios desde muito cultivados nas leiras ásperas da tradição     II como haverias de saber, Allen?   estavas, também tu (sempre em esquisitas companhias...) justo ali, nel mezzo del camino então aos trinta, e tão impróprio a qu

POEMAS DE JOSÉ RICARDO

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  DOIS ESTUDOS DE POESIA BREVE:   I. Implumes tamariscos às arcardas de um híster orvalham mirtos   II. Anuído rufião aos peplos: amontilhado de párias na colheita firme-flor       (À JANELA DA ALCOVITEIRA)   I. Sob muritis topázio coribantes melosos assanham gemidos   O alcácer do ligustro linda prantos e pesadumes   II. escapulas-lírios           prantos em flor beijam simples            gemidos carnaúba   pespontos de prata assanham topázio

UM POEMA DE EWALDO SCHLEDER

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    OITO MINUTOS   Meu nervos, são de cristal os meus nervos. Qualquer vento forte o quebra. Um som agudo poderá trincá-lo. Um outro, grave, o transformará em pó. Meus nervos. São de cristal. À qualquer cerimônia irá partir-se todo o cristal. Mas meus nervos estarão protegidos, por causa da dor. E somente teu suspiro ou teu beijo – teu gozo – poderão parar a dor. Lembra-te sempre que são de cristal os meus nervos.

UM POEMA DE FABÍOLA LACERDA

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  o engenho produz muitas e  belas putas muito bem destiladas algumas religiosas até que os senhores as chamam carinhosamente  de raparigas   em genuflexão as raparigas se dirigem à moenda com sonhos e lágrimas de amor e devoção é o momento em que a garapa é mais doce é a fase em que a embriaguez é mais cortês   as senhoras dos senhores de engenho e seus infantes  são muito bem educados e calmos nada lhes ameaça reputação e quinhão   a pobreza e a difamação das raparigas sustentam casa e senzala  o rebanho e o engenho o alambique e a plantação   as preces religiosas das raparigas mantém fértil cada palmo de chão cada vaca e égua prenhe cada máquina ajustada   há muitas raparigas catalogadas  na biblioteca da grande casa as mucamas, também raparigas, as mantém muito limpas em seu devido lugar   houve uma rapariga que fugiu, bem, ela não era muito moça, destilada ou religiosa, em uma vereda estreita e espinhosa   tão

SEIS POEMAS DE SANDRO SILVA

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  B BANQUETE   Devorei-te totalmente naquela primavera sem ocupar-me com enfadonhos cerimoniais. Avancei com avidez por tuas farturas expostas. Devorei pele, músculos, vísceras entrincheiradas aquelas suculentas maçãs de teu rosto, olhos apreciativos, lábios e todos os dentes. Depois contemplei por alguns segundos teu escancarado sorriso, banguela e pueril. Até devorá-lo também, de uma só vez e plainar na plenitude do céu de tua boca.   Devorei os dedos dos pés, unhas, uma por uma tornozelos, joelhos e coxas paralelas. Tuas nádegas macias como relva serenada. Peregrinei de um polo a outro pela pélvis por pouco não me perco em perigoso perímetro. Serpenteei entre os vãos de tuas costelas abertas aos miúdos de minha imaginação. Abusei do insondável abismo de teu abdômen terreno vasto para valiosas provações. Arranquei todos os pelos espalhados no caminho antes mesmo de senti-los eriçados. Divertia-me ver o movimento de tuas vértebras vergan

UM POEMA DE JOSÉ COUTO

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  MAÍRA   se tua voz de anjo cantasse do alto da pedra que flutua, a sede do riacho seco verteria, a cicatriz do bicho acuado aveludaria, a fome da mata queimada floreceria.    se tua voz de mel apaziguasse no ermo do pantanal devastado, araras-azuis, onças pintadas e sucuris em abundância às ocas regressariam, o sacrado seria preservado e o mito silenciado.    se tua voz de sabiá laranjeira gorjeasse na paisagem atroz das vitória-régias, os índios, os ribeirinhos e caiçaras em lugar nenhum de nós seriam esquecidos, os olhos a esculpir silêncios brilhariam.    o som vindo de dentro do peito igual à reza segregando sentidos, tingindo camadas profundas do ser.    tua voz mantra sânscrito em prece seria minha infindável oração curandeira!   

UM TANKA E UM SONETO DE NARA FONTES

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  O TEMPO NO VENTO   Na cadeira de balanço a mulher tece Com o fio das horas   No vento, o tempo sussurra Desapego e recomeço   MAGMA FLOR (Minasia Alpestres)   Pela pequena fenda ainda aflita Vencendo em si o medo e a escuridão Em trôpega e imberbe comoção A frágil flor emerge livre e indômita   É na escarpa rochosa que lhe dita Os mais tolos enganos e ilusão Que a vida cria orgânica feição Na delicada flâmula recôndita   Da ígnea trajetória resta o pó Moldado pelo tempo em desalinho Sabe-se outro embora siga só   E a sinuosa flor verte o caminho Toca-lhe desfazer a trama e o nó Sem negar-se a visão do etéreo espinho