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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

SETE POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  LINHA DE CENAS   um corpo que nos reúna – imagem única no espelho.   nua sobre minha superfície sem o liame das retinas.   acidente do contraste por trás do cinismo   (lacuna imensurável da história de sempre.)   você olha para a foto na estante e relembra a puerícia:   o princípio de tudo ali a partir de uma impressão   e o final antecipado pelo indócil pacto com a vida.   INCLINAÇÃO À LUZ   como se a manhã abrisse em silêncio interminável fosso da noite   e fosse a luz num instante verdade consagrada pelo estupor do delírio.   como se o brilho dos metais não fosse discrepante à pedra que os afia   e o dia a clarear diferenças ascendesse aos céus corpos sem asas.   VARIAÇÕES SOBRE O VAZIO   frases entre deboche e angústia - lâminas a cortar rente a pele veias sangrando despedidas   tudo parece tarde demais quando o dia nos escapa pelo giro dos ponteiros   vida que desliza sobre re

DOIS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  CONSUNÇÃO PATOLÓGICA   criatura recém-nada moscas ratos restos no saco de lixo preto gestos ineptos óbvios   lume no olho preto pouquidão de choro negro do lixo órfão nato berro silencioso de socorro   pequenote do orfanato armorial rejeitado pivete do saco preto nascituro pré-condenado SEM AÇÚCAR SEM AFETO   menina-segredo reverso puro universo   em baile de máscara travestida de pássara   fome fobia sobrenome futuro sombra estupro   a rosa deixa a cartola despida na gaiola   grávida gravita graciosa menina -mãe  

4 HAIKUS E UMA BUNDA, DE JORGE AMÂNCIO

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  fenda fio dental 2 bandas da maçã beija beira de areia   vaivém vaidosa coxa molda popa compassada bamboleia   pulos e reboladas um loop infinito calça clara colada   tique-taque calcinha na bunda ziguezagueia cofrinho

4 HAIKUS E A LÍNGUA, DE JORGE AMÂNCIO

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    céu da tua fala a língua orbita na tua órbita   céu do teu olhar a língua órbita a tua estrela   céu da tua boca a língua estrela no teu universo   céu de teus lábios a língua universo no teu sexo

UM TANKA + UM HAIBUN DE CLAUDIA SLAVIERO

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  TANKA I vento fiandeiro sobre cume da montanha urde fios de sol   cerra o dossel de algodão ama da dama branca   ******   Praia das Cabras Quando as construções escasseiam, a estrada toma um trajeto retilíneo, ansioso, como a mostrar que não se deve permanecer mais do que o necessário.   Ao pé dos cômoros, as casas confirmam a urgência. Janelas são órbitas vazias por onde o vento irrompe, e o vão das portas, bocas a cuspir areia. Muros e paredes cumpriram seu tempo. maré enchente – com pressa arruma a toca um maria-farinha   A região é de dunas livres. Ao regime dos ventos, areias praiais deslocam-se e transgridem terrenos mais antigos de vegetação quase ausente. Lençol alvo que ondula e se afasta da costa, a cobrir montes e vales. Antes que o asfalto transpassasse um dos braços deste corpo, cabras de sítios do interior chegavam à orla marítima, dando nome ao lugar. Circulavam por recônditos de águas claras frequentados por aves mig

DOIS POEMAS DE CLAUDIA SLAVIERO

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  MATÉRIA   não sou ossos, etérea, espádua   folhas caducas, botões e brotos.   perene, sou y-mb-u, seiva e visgo.   seios de fruto morder, sugar;   torrente d’água, y-paranã de levar barcaça;   de afogar, banhar e matar sede.   não luz efêmera, mbae-tatá, centelha;   delírio de yu-rema mulher-da-lua            ***   após as batalhas, armistício, não a paz. outros voltaram às famílias, mas ele permanecera – subterrâneo - afeito ao serpentário; por alimento, a fetidez da infâmia e a prece dos sepultados; por comitiva, em cada algar, a candeia de um astro.   rebentos de seu sangue – cantos que ferem e embalam aos que vagam fora, olhos ardendo no breu, e que a si chamam puros; sentenças aos amores plenos e violações – flauta de bambu e espada.                                     

TRÊS HAIKUS DE MARIA MARTA NARDI

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  manhã de outono -  vê-se o sol  nas asas da borboleta    noite de inverno –  cada vez mais longos  meu casacos    enquanto caminho  venta o outono –  cigarras   

TRÊS POEMAS DE CELSO VEGRO

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  JUSTA Laurel de espinhos adorna cabeça de dragão, dobrando valente oponente. Assim como corno do escaravelho perfura pálpebra do unicórnio albino, quando joelhos dobram rompendo cúmulos-nimbus onde dobram sinos.   ***   Raízes retorcidas procuram o segredo das manhãs, que lhes escapam no próximo instante em átomos do tempo.   ***   Inamovível pedra imantada na primavera de abril gaguejante, espalha e recolhe em sinuosas linhas, indo novamente em busca do que for preciso.    

OITO TERCETOS DE DIRCE CARNEIRO

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  LÚDICA   Veste-me a lua o sol me despe transparências   FLUIDA   Olhar as águas rio bebe de mim sede de nós   CPF-ME   Bloco de notas contas e deveres senhas sem poesia   LETRA ÁUREA   Livre! Livre! Livre! o verso se rebela poesia Macunaíma     PARECENÇAS   Impossível tradução pareidolias de mim imagem com chuvisco     HARMONIZA COM INVERNO   Vinho nas papilas acende, desperta, chama amargo, doce, rascante   HORA DA FOLIA   Vestir máscaras tirar o hábito da negação entrar na fantasia, viver poesia!   PÉROLA   dèjá vu de tormentas alquimia das águas pedra rara na concha            

DOIS POEMAS DE JOSÉ RICARDO

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  A fábrica espigava o passo-ritmo manual ruminações-sucata nênias cinza-chumbo altirresoavam braço-engrenagens destro-emergindo cantavam decantavam um fado alavanca na tessitura do sal   ***   Beira de lixo um pombo deflora o plástico   Olhos-zangões mel de enxada desabrocham a terra   Ferrolhos orquestram gemidos de porta tarde travessa  

DOIS POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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  QUANDO A BELEZA RUGE   I   infante insone anseia o nítido raio matinal. todavia à volta tudo trovoava no desvão escuro, compacto naquele quarto.   de súbito esse tudo se reduz a intenso ruído qual como que saído bruto de tenebroso pesadelo   troveja terror madrugada orelha adentro olhar relâmpago rasga-véu noturno cinza céu soturno   âmago do medo nu em pelo impulso arrepio rebenta poros puro tremor retumba dentes   antes da calma (sacada às pressas apenas entrevista numa ainda vaga mirada encerrada no quarto) nada termina e inunda de nada silêncio cheio do chão da sala   II   porque como tão remota cena retoma sinistro mote? remontada justo quando o repouso corado do corpo (não dum sonho) mas de salgada marinha vivência? como porque essa cena inventada insiste em meio ao mar contente do adulto fascínio em arquipélago distante?   nessa quase miragem