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Mostrando postagens de outubro, 2021

UM ORIKI DE EDIR PINA DE BARROS

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  ODOYÁ IEMANJÁ   Mãe de todas as águas, minha mãe, protege cada ser humano que carrega, em si, parte de teu reino, de tua doçura e de teu sal que escapa pela pele e pelas lágrimas de amor e dor.   Movimenta as águas dos pulmões contaminados pelo vírus, do pranto das mães, dos filhos de todos que padecem perdas irreparáveis, desse mar morto represado no peito por tantas perdas e tantas mortes evitáveis, Odoyá minha mãe. Odoyá!   Fecunda, nos corações humanos, os lírios brancos da paz.

DOIS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  INTEMPÉRIES Para Claudio Daniel   1. flagrante murmúrio da luz que se deita sobre rasas manhãs   onde o corpo aberto ao mundo desperta sereno   e não resiste à dura sintaxe do dia.   ainda se fez sentir a rotina inquieta da voz nesta clara manhã   mínimas sílabas que não ocupam espaço   como a pedra lisa ou cinza nuvem sabem do poema safo.   2. presas ao olhar nuvens-cumulus desvendam-se lentas   nos furtivos relâmpagos e ausência do verbo que se faz temporal.   3. como dizer o silêncio fragmento da pedra suspensa nas mãos?   como dizer o corpo na escritura do tempo a pena, o papel, o vago? (algo sempre a descobrir)   4. na ânsia de juntar corpos e palavras em desalinho   falta uma letra apenas para desvendar seu nome    MEUS OMBROS SUPORTAM O VIADUTO   paisagem noturna que se vê do alto   reduz-se ao desejo instigante de medir tempo e espaço até o desfecho do chão.

UM POEMA DE NILTON CERQUEIRA

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  DE ONDE VEM AS ONDAS   I arembepe irrompe menino sob sol sorve luz verte imã   arempebe amor murmúrio, muito mãe manhã, maré mulher   arembepe praia nunca inunda boca salgada salpica riso   arembepe mar azulada sílaba ondulam lábios minúcias reverberam   II   arembepe fala garganta enigma tremida pronúncia escapa, gutural   arembepe primevo remontada memória veraz, vivaz, voraz, tempo inconsumivel   arempebe tupi nativo traduz: “aquilo que nos envolve” a qual além aquilo alude?   arembepe amálgama nem mãe nem pai nem eu medo breu quarto inteiro só escuro era corpo   III   arembepe areia fogueira canto noturno adulto mundo distante quase tudo aquece   arempebe senda recuo, rasgo, agora imagem isca margem de risco   arembepe remanesce litoral altera-se: literal raro, roto, ralo resto algo luminoso   arembepe vôo à flor da pele, pousa pausando pressa cede pas

DOIS POEMAS DE SANDRO SILVA

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  SEMEADURAS   Devastaram-se as copas das árvores altivas que juntos semeamos às escondidas.   Sobrou-nos o sopro melancólico do vento a passar displicente pela sombra exaurida.   Mas que deixa como marca por caminhos inusitados horizontes que instigam sonhos de novas semeaduras.   MARCAS DE AREIA   Sou mais um louco de pedra de prego virado e batido alma lavada em correnteza coração aberto e carcomido.   Sou vontade imersa e sobreposta raiz em busca de seu caminho coisa pouca sem apego certo vento que descansa o moinho.   Sou quem agenda o agora urgente e aguarda vigilante o próximo trem abro janelas para saudar os pássaros descarrilho destinos para ir além.   Sou motivador de desconfiança por tudo que se esperam de mim marco meus passos com sorrisos nessas andanças de dias sem fim.   Sou palavra ressequida pelo sol rima alinhavada em solidão alheia pedra que rola de traz da paisagem e deixa nos lábios

UM ORIKI DE JORGE AMÂNCIO

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  O MATO E A FLORESTA QUEIMAM GRITANDO RORORO   chapéu coberto de sangue Ogum Orine combate com sangue   grande protetor do ferro Ogum Onire come carneiro   cré com cré   na cabeça da criança ressoa uma cabaça na criança grande um prato Ogum não protege quem que não faz oferendas   corpo listrado símil à corça selvagem Ogum Iremoje traz uma serpente amarrada no pescoço   se desejar que Ogum morra a infelicidade cairá sobre ti morrerás tal e qual   uma veado campeiro.   Se disser que Ogum não briga, Serás um tabuleiro de jogo achatado sob a pata de um elefante.   não lamente a castração, ao extirpar o pênis deixa visível uma vagina na coxa Ogum Etempé come a cabeça daquele que é teimoso   O ferreiro se beneficiará mais no mercado do que aquele que trabalha na roça Ogum sete partes na casa de Irê

UM POEMA DE EVILÁSIO JÚNIOR

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  CHÃO carcará vadio vagueia no sertão das entranhas   desabrocham solitárias asas nas cansadas retinas   imagens e lembranças crescem vorazmente   fugacidade devora ponteiros é lâmina afiada abre feridas neste chão de ausências   redesenhando a geografia foice retalha distâncias sangra o Mearim no meu peito   saudade sobrevoa a Pedra Grande minhas penas pesadas ainda serão plantadas neste lugar.

UM POEMA DE ANDRÉA DE MORAES

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  O JOVEM FLAMINGO   O jovem flamingo não é néscio, desfila suas pernas a água salgada o agrada e seus gestos têm o condão de tornar nossos olhos curiosos;   uma curiosidade às vezes luminosa, outras vezes tosca. Ora nos lembra um rei, ora nos faz escravos de sua sedução, visto contra paisagens enigmáticas.

DOIS POEMAS DE CELSO VEGRO

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  RÉSTIA   No corpo que não se atreve lutar sucumbe a chama.   Faísca apagada não traz luz nem medo das árvores.   Na rara latitude ecoam súplicas dos semivestidos.   O que nunca dorme estica coberta puída na esplanada escarlate.   Lona esticada desfeita fumarenta no meio fio inteiro.   MIRADA   Mariposas empreendem voo em céu cego ao suspiro do vento.   Pássaros invisíveis despertam de seus ninhos em doce aturdimento.   Rãs coaxam acompanhando violino apenas rosa.   Flor de tom impreciso na sala de espelhos traz gozo inexplicável.   Mundo desvanecido de vozes tragadas pela terra forma som melodioso.   Paralisado pelo império das cintilações bailantes, iridescente respondeu: silêncio.

TRÊS POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

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  GEOGRAFIA DE UM ROSTO   No primeiro gesto da escrita o movimento da caneta dava sensação de poesia.   Roçavam palavras em suas mãos hesitantes. Dedos sem ornamentos.   Uma língua atropelada (desfiada pela caligrafia da voz) esvaía-se em segredo.   A trama do texto nas inversões sintáticas – teias formais emaranhadas.   Disfarce de poucos verbos para tentar explicar a vida sem reflexo no espelho.   METAFÍSICA DE UM ROSTO   1 mudez a espera do grito onde palavras imóveis   tornam-se ávidas ao possível movimento.   atropelo dos sentidos impassível gesto   da nota dissonante na harmônica escala   desse isométrico jogo de ruídos. o caos   afina o silêncio enquanto deuses dançam   a música das esferas no universo pitagórico.   narciso despojado da primeira pessoa   (corpo e alma no mesmo espaço.)   confissão das coisas destinadas a serem   únicas.   estética do novo que provo