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Mostrando postagens de agosto, 2022

UM POEMA DE CLAUDIA SLAVIERO

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  I   Polpa doce, fruto de anaiá; iguaria no festim do tempo: vida.   Cumapu desnudo de corpo-cálice; amêndoa: alma.   II   Não declinar o ser; unicamente estar no adorno de urucum; na saia de buriti; estar com Pedah, jaguardião da mata; no devir.   Dispor a rede entre os troncos da véspera e do amanhã; partícula pendular.   Estar com Kohana; corpo celeste; sopro-canto do xamã. Não possuir; pertencer.   III   bruma rio acima brisa soprasoprando   paina de munguba rio acima brisa soprasoprando   pluma de cigana rio acima brisa soprasoprando   ikonanim céu acima Kohana levaelevando   bakti to; bakti to     Notas:   anaiá: inajá; palmeira da região norte do Brasil; Tamakore, o ente criador Kanamari, gerou cada povo a partir dos frutos de palmeiras variadas.   cumapu: phisalis peruviana; pequeno fruto “embrulhado” em casulo semelhante a folha seca.     Pedah: devir-jaguar, entidad

UM TANKA E DOIS HAIKUS DE CLAUDIA SLAVIERO

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  Manhã -- bruma da lareira envolve casa da infância   na falta do abraço casaco herdado da mãe   * seria arco-íris ou cachecol da ciclista? tarde de garoa   * recorda um jardim – gorros de muitas cores no ponto de ônibus  

DOIS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

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  BAR TOLD BRACHT   Um papo misturava Nietzsche e Spinoza; o ar fedia a álcool-intelectual, servido à moda cowboy em dose dupla; num gesto de culpa, ele beija a mesa indefeso pelas argumentações etílicas.   Encontro a saudade na mesa ao lado com um laço vermelho no cabelo, saboreando um gim-tônica.   Entro na tônica da palavra, transmito verbetes pré-fabricados como cartas kafkianas, rondando castelos de papéis.   A fita vermelha cai do cabelo, tinge a toalha quadriculada em sangue.   A cabeça levanta-se lentamente cita Nietzsche grita por Spinoza toma o gim-vermelho e tomba sobre a mesa   A PRACINHA DA MINHA INFANCIA talvez soubesse, talvez conseguisse levantar-se do banco da praça,   folhas de cerejeira ganhavam o mundo. na praça, todos se falavam, se abraçavam,   borboletas nasciam de tempo em tempo.   pássaros sem graça   (jamais existiram) choram lembranças de outro espaço,   cerejeiras d

UM POEMA DE SIDNEI OLÍVIO

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  ESPIRAIS     1 seres que existimos entre a mistura de fluidos e a consistência do barro o acaso da união e a crença no milagre verbo latejante sangue que escorre da cruz e imprime o manto que nos cobre de mistério   2 odisseia encarnada no desnudo jardim tudo o que nasce um dia partirá rumo a lugares inexplorados coisas vividas antes dos olhos contemplações da caverna agora convertida em história   3 por dentro das pálpebras revela-se a escritura do branco silêncio palavras inauditas que desvelam o mundo   4 corpo que afunda e se mistura na terra converte-se em fruto e pó

CINCO POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

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  CANTO À MARGEM   I   há milagre aqui? poeta canta ainda anônima incrédula pergunta   II   escrita avulsa derrama na página improvável elemento ateia fogo-fátuo à nau repleta de saber à proa   III   manche d'alma de mãos dadas à apreensão do mundo universo pensado avesso a manchas repulsivo ao manco   IV   verdade sólida translúcida sujeita desmanchar-se no ar a olhos vistos de viés ouvidos revirados céu estremece diante do indômito canto de Dante   V   também Camões toma no tom amor engenho revolto mar além vêm americano canto com Pound compasso tenaz ateia desmesura traduz escombros dispersos   VI   leme oculto mistério maior contado às voltas tantas em fina dissonância canto irrompe à margem quando de repente incorpora raspas vibrantes do ser     À ESPREITA DA ARTE   margem de tela feita discreta isca de risco aguarda, pálida sua captur

DOIS POEMAS DE PAOLA SCHROEDER

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  Escondia-se dentro de mim.   Paixão desvelava criança estranha,   folia em prantos.   A vida estacionada no outro do outro.   Hibernavam em mim sombra, dor e morte.   No espelho, nas palavras a mentira que eu me contava.   Era um palhaço que plantava em toda cinza seu carnaval.   Ânsia pela morte dançou sobre comprimidos e lâminas.   Num ímpeto solitário o olho brilhou vivo.   Desperta, a verdade atravessou a cama como um punhal.   Uma incisão tão forte gritando: Viva!   A paixão provocava a alegria que já vivia em minhas cinzas.   Numa faísca sem nome, sem face ou encanto.   Sou fogo, sou arte.   Alegria vive para além de mim e transborda em cada vontade.   Ainda minto. Oculto um ponto que é chave e cadeado.   Mas se um olho esbarra em outro sou água cascata rolando em reticências.   Quem me nota e viu sabe que a vida tem sempre um ponto.   E uma vírgula.   SILENTE

DOIS POEMAS DE JOSÉ COUTO

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  ORUM   o supremo adivinho separou para sempre com seu sopro divino   a branca esfera do céu e a escura esfera da terra olorun olorun olorun   se você quiser voltar à roda celeste   use a intuição de oxumaré abrace o mistério em nanã flutue no azul de iemanjá inspire a coragem e doçura de obá e do guerreiro ossain   se você deseja entrar no ritmo da transmutação   desligue a mente encontre o verde requebre os quadris   e dance o samba de coco e dance o maracatu a ciranda de roda e dance a congada a capoeira o jongo e dance dance dance axé   CORDÃO DE PRATA   sonhei um sonho acordado: estava deitado no alto da pedra que flutua e foi divino   na clareia do matagal em uma das mãos o arco na outra a flecha meu pai ossain falou   foi são benedito foi são benedito quem te benzeu   com água cheirosa da cachoeira sacramentou   sonhava acordado e levitava