UM TANKA + UM HAIBUN DE CLAUDIA SLAVIERO


 







TANKA I

vento fiandeiro

sobre cume da montanha

urde fios de sol

 

cerra o dossel de algodão

ama da dama branca

 

******

 

Praia das Cabras

Quando as construções escasseiam, a estrada

toma um trajeto retilíneo, ansioso, como

a mostrar que não se deve permanecer mais

do que o necessário.

 

Ao pé dos cômoros, as casas confirmam a urgência. Janelas são órbitas vazias por onde

o vento irrompe, e o vão das portas, bocas

a cuspir areia. Muros e paredes cumpriram

seu tempo.

maré enchente –

com pressa arruma a toca
um maria-farinha

 

A região é de dunas livres. Ao regime dos ventos, areias praiais deslocam-se e transgridem terrenos mais antigos de vegetação quase ausente. Lençol alvo que ondula e se afasta da costa, a cobrir montes e vales.


Antes que o asfalto transpassasse um dos braços deste corpo, cabras de sítios do interior chegavam à orla marítima, dando nome ao lugar. Circulavam por recônditos de águas claras frequentados por aves migratórias, que buscam nestas lagoas temporárias, alevinos e insetos, criados ao abrigo da constelação de nenúfares brancos.

sol do meio-dia –
incontáveis libélulas

tornam o ar mais leve

Povos originários fincavam morada

continente adentro, às margens de lagos perenes

e bordas das florestas, abrigados da ventania incansável. Este era local de pesca somente

nas estações em que os deuses prendiam Ipupiara

no fundo do mar.

Atrás da primeira duna, próximo à praia, a única árvore nesta vastidão é uma casuarina com cerca

de seis metros de altura. A estrangeira de face enrugada sobreviveu às cabras e ao vento nordeste, dando-lhe as costas nuas; teimosia que garantiu a idade e uma corcunda.  A cabeleira espinhosa, a pender para o sudoeste, não confere aspecto deprimido, mas sim, de fúria rebelde.

A seu lado outro resistente improvável:

uma cabana com paredes de galhos e tábuas; refúgio de pescadores sazonais, que confirmam

a sabedoria ancestral.

vento ciclone –

somente a sombra da ave
se prende à terra

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