DOIS POEMAS DE LOURENÇA LOU



À BEIRA

há anos não sabe o que é dormir

escuta as dores de parto da noite
o submundo do sangue lhe calcina as veias
perde a noção da língua no céu da boca
o estômago
em constante tremor
se deixa corromper pela fome

à luz que resta aos olhos
faz o inventário dos roubos
garante o dia seguinte

enrola-se em um corpo qualquer
fecha as portas dos sentidos
não lhe incomoda
o cheiro dos jornais molhados
nem os anúncios da meteorologia

há anos não sabe o que é ser humano.



PRECARIEDADES

já morri algumas vezes
morrer é minha fuga predileta

minha próxima morte
não se comparará a qualquer outra
a última é sempre a mais trágica

quem sabe eu me atire do alto
de um poema lírico do Torres
caia bêbada entre os licores
e os olhos doces do Guanais
promova o espetáculo
de um suicídio à la Magoli
ou encha os pulmões de pétalas
da rosa do povo de Drummond

talvez eu até desista de arquitetar uma morte
apenas me deixe boiar na hemorragia
causada pelas inconsequentes punhaladas
que um mito vem enterrando em minha história

ou tudo isso não passará de um ensaio
para a idiotice maior
– a explosão da bomba que carrego no peito.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POESIA

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

NOVE POEMAS DE JORGE AMÂNCIO