UM POEMA DE CARVALHO JR.


ZUNIDO

Na carcaça da noite me desespero,
ardo em febre, ansiedade e medo.
De pés virados no leito, ao relento,
sou engolido pela angústia do tempo.
Penso na velha Iaiá, rezadeira morta,
e um sussurro atravessa a porta
do meu esconderijo de sombras.
Como se falasse por um cazumbi,
uma voz, caindo-me sobre os ombros,
expele a cólera de um bicho: e daí?

Reviro-me nas camadas do sono,
meus olhos se dilatam em espanto.
Choro, como em esquecidos outonos,
uma dor pronunciada em esperanto.
A agonia se instala nos cômodos da casa
e desmaio no poço de um mito raso.
Que morto é esse que me abraça,
quando se revela um absurdo zunir?
Uma mosca sem mãe cospe no vaso
o ruído sujo, bizarro — e daí?

A desdita da noite se estende,
aves de mau agouro desatam o canto.
Desalumiado, um silêncio geme
e a lágrima desaba em contracanto.
Como se o sonho morresse de pranto
por uma cruel adaga que nos abre aqui:
o inseto do nojo zune na fresta — e daí?

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