UM CONTO DE PAOLA SCHROEDER

 











SOFIA

Ela nunca imaginou entrar num lugar daqueles, mas precisava se aquecer, de um drinque. Precisava parar de tremer. Sentiu uma dor no peito, levantou-se depressa e saiu sem a bebida, escorregando sobre a neve que jazia na calçada. Se alguém soubesse estaria morta, não podia pedir ajuda, era difícil manter-se em pé. Foi atravessando a noite pelas esquinas assustada. Olhando para todos os lados. E se ele tivesse a seguido. Tentou não pensar nisso e resolveu ir direto para casa. Lá estaria segura. Pelo menos até resolver o que fazer.

Haviam se conhecido no final da primavera, se passara três anos que Sofia o encontrou perdido na livraria. Era um rapaz corpulento, de maxilar quadrado, mãos grandes e olhos bem arredondados com um castanho esverdeado. Já Sofia era pequenina, tinha os olhos escondidos atrás de um grande par de óculos. Usava saias e blusas que ficavam um tanto caídas no seu pequeno corpo. Trabalhava na livraria há mais de cinco anos e sentia-se segura diante do conhecimento que possuía, devorava livros de Filosofia, Arte, Direito e também se deixava levar pelos romances, além de ter um gosto secreto pelo erotismo, mas disso só ela sabia e não contaria a ninguém suas aventuras literárias nesse ramo. Estava no segundo ano da faculdade de Artes. Adorava ir à todas exposições que havia na sua cidade, que apesar de pequena tinha uma grande circulação cultural. Sentia-se acuada diante de homens como Carlos, mas algo nele atraiu sua atenção e resolveu atende-lo antes que outro o fizesse. Carlos era escritor e estava procurando inspiração para seu novo livro, quando viu Sofia sentiu-se satisfeito, como se sua busca tivesse terminado, trocaram números de telefone e combinaram de se encontrar no parque. Era um dia ensolarado, os olhos de Carlos ficaram completamente iluminados. Conversaram muito sobre literatura e arte. Ele além de bonito era também muito inteligente e isso a fascinava. Ficou um pouco desconcertada no início do encontro diante do seu corpo, mas logo se sentiu acolhida e protegida.

Prestes a terminar a faculdade, Sofia se sentia cada vez mais mulher quando Carlos lhe tocava. Tinha aberto para ele um pouco sobre seu interesse erótico e ele começou a se aproveitar disso. Os encontros eram cada vez mais quentes e violentos. Carlos a pegava sempre de surpresa e lhe prendia as mãos em algemas levemente apertadas. Ela gostava da brincadeira e deixava evoluir das algemas para as cordas, cintas, mordaças. O que os dois faziam quando estavam a sós era problema deles e estavam felizes assim. Pelo menos era o que pensava Sofia.

Carlos trabalhava dia e noite no seu livro, mas nunca permitiu que Sofia lesse nada do que escrevia. Quando ela pedia para ler algo, ele calçava dos seus arquivos algo antigo que nunca tinha publicado e alcançava a ela que se dava por satisfeita.

Quando chegou em casa se jogou na cama, estava exausta. Seu corpo ainda trêmulo... Mas não podia parar de pensar no que havia acontecido. Sentiu-se arrasada, amedrontada e com um remorso que lhe comia os nervos. Talvez fosse melhor ir à polícia e contar-lhes tudo, mas tinha medo de que ninguém pudesse protegê-la daquele monstro. Quando parou de repente e começou a se perguntar se aquela gostosa violência contra seu corpo era algo pequeno para ele, de certo sempre fora e ela nunca havia percebido. Mas agora tinha certeza. Viu com seus próprios olhos. O inverno parecia muito mais gelado aquele dia e nada a esquentava. Passou a beber e beber, tentando apagar tudo que lhe viesse à mente. As cordas, o sangue, aquele pequeno punhal. Passaram-se três dias quando Sofia conseguiu despertar do pesadelo e retomar a consciência. Pensou que tivesse mesmo sonhado quando abriu o jornal e viu a notícia, uma mulher com o corpo dilacerado e um punhal cravado no meio do peito. Estavam atrás de dois suspeitos, segundo as coordenadas um homem alto, forte e uma mulher que era o oposto. Ficou sem reação alguma quando se imaginou como suspeita do assassinato. Agora era tarde para ir à polícia, quem acreditaria na sua história. Mas ficou feliz por um momento, pois ninguém havia a procurado, nem Carlos. Talvez tivesse já fugido da cidade. Estava com medo de sair de casa e ser reconhecida, quando de repente a campainha tocou. Naquela altura só podia ser a polícia, quando escutou a voz desesperada do outro lado.

--- Abre, Sofia, abre!!

Reconheceu a voz de um dos amigos do Carlos e hesitou em abrir quando ele disse novamente desesperado:

--- Carlos, sumiu!

Por um breve momento ela ficou aliviada e resolveu abrir a porta. Quando abriu a porta viu aqueles olhos arredondados que havia visto há três anos, mas agora pareciam maiores ainda. Tentou gritar por socorro, mas sua garganta havia sido cortada. Caiu no chão e em poucos segundos estava morta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POESIA

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

NOVE POEMAS DE JORGE AMÂNCIO