TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

 












O TROVÃO NÃO FALA COM O FARFALHAR DAS PALMEIRAS

 

vestida de pântano

ossos de carneiro pelo corpo

salpicada de osun   

um andar lento penoso

parece tingida de sangue 

 

dona do ibiri

não dorme

tem sede de sangue

dona do rio

que come muito

corre ao contrário

 

orixá que não se vê

decanta a vida

faz a morte

faz o bem

divide

a guerra em dois

tem a cura

sem usança de remédios

faz o que bem quer

 

no olho da morte

não se pode olhar

sabemos o que ela faz

não o porquê

a chamamos em casa

em todos os lugares

 

ela passeia

 o dono chispa da casa

o estrangeiro foge

ela se diverte

acolá mata gente

aqui as pessoas riem

 

ave de rapina,

está no mundo todo

mata uma cabra

sem utilizar faca

com uma pedra de raio

mata as pessoas

faz uma cova

detecta os ladrões

evita epidemias

torna as mulheres fecundas 

 

Salúba!

Nanã dá alegria ao mundo

Salúba!

Nanã desperta na alegria

Salúba!

 

 Glossário:

osun – vermelho

ibiri – cajado, bengala

 

 

PARAFILIA DE UM ANJO D’OURO

 

na areia quente

em direção ao mar

cabeça em gêmeos

frenesi nos tornozelos

os pés hesitantes

param no ar

 

pernas cruzadas

sandália minimalista   

veste 36

impune

o pé displicente

balança

 

frutas

entrededos

natureza

esmagada

o corpo-tapete

paralisado

 

em êxtase

degusto

beijo lambo mordo

 

podólatra

amanheço

submisso

 

 

O DIA QUE EU LI JOHN DONNE À LUZ DE VELAS

 

 O ambiente mal ilumina as palavras sussurradas

A harpa trincoleja o ar, vibra as esculturas de barro

A música relaxa o ambiente anunciando a poesia

 

Peço um suco de uva Isabel com notas de gengibre

Na mão direita, uma lanterna rústica ilumina o poema

                                       Elegy: Going to Bed, de John Donne

A respiração ofegante aquieta os sussurros

Um facho de luz em John Donne!

Tomo lentamente um gole de Isabel

 

Com a voz tremula na tradução-arte de Augusto

                             Come, madam, come, que eu desafio a paz

                             Até que eu lute, in labour lie.

No anticrítico de Campos, do primo pobre de Shakespeare

                          Off with that happy busk, whom i envy,

                          That still can be, and still can stand so nigh

A recriação na melodia do poema renascentista

Augusto-Donne -Campos-John 

                                    Tira o espartilho, quero descoberto

                                    O que ele guarda, quieto, tão de perto

O tilintar da harpa na taberna,

Transportou-me ao século XVI,

Absolutista, calvinista, puritano

                     O corpo que de tuas saias sai

                     É um campo em flor quando a sombra se esvai.

 

                              Tira os sapatos e entra sem receio

                              Nesse templo de amor que é o nosso leito

A voz grave pulsa, o poema aumenta o ritmo

                               They set our hairs, mas sim a carne em pé

Encho a boca de Isabel, rosando os lábios de uva

A harpa toca notas espaçadas de uma melodia conhecida

Repouso a luminária na mesa em quatro fachos de luz

                                Deixa que a minha mão errante adentre

                                Atrás, na frente, em cima, embaixo entre.

Recito preenchendo o vazio das notas sobre pela luz fraca 

A voz da taberna, que antes quieta, canta contínua uníssona

Canta sem saber quem é Donne, que é um John, um João

                            Minha América! Minha terra à vista,

                            Reino de Paz, se um homem só a conquista,

                            Minha mina preciosa, meu Império,

                            Feliz de quem penetre o teu mistério

A música serpenteia nas cavernas das estatuetas da taberna

Enchendo a casa de som, de donnes augustos joãos campos

                                 Full nakedness! Todo prazer provém

                                 De um corpo (com alma sem corpo) sem

                                 Vestes.

 

Isabel eterniza o gosto de uva na boca

As vozes se encontram, dançam, brincam no poema

Trazem memórias, recito Augusto na arte tradução de Donne

Não importa! A magia impera, é um livro místico

                                              … (a que tal graça se consente)

                                             É dado lê-la. Eu sou um que sabe

Numa brecha do silêncio, a voz pausa os últimos versos

De Elegia: Indo para o leito

                                     Como diante da parteira, abre-

                                     Te: atira, sim, o linho branco fora

                                     Nem penitência nem decência agora.

                                     Para ensinar-te eu me desnudo antes:

                                     A coberta de um homem te é bastante.

 

O silêncio aquietou a taverna, aquietou a noite, o tempo,

Em êxtase levei Isabel à boca, suguei o líquido vermelho,

Na tentativa de que a realidade voltasse ...

Donne nos absolveria de qualquer volúpia de qualquer prazer

 

As chamas dançam na quietude

Longos beijos saúdam a elegia,

Eu e a harpa não nos beijamos,

Sentíamos o após gozo lado a lado de olhos dados

 

 

 Bocas ovacionam, mãos se agitam no ar, aplaudem

Sabíamos que estávamos voltando do século dezesseis,

Da cama de Donne, levados por Augusto eu e a harpa

...peço uma garrafa de Izabel, com notas de gengibre

 

A taverna aos poucos com as cadeiras vazias

 As pessoas levam a cama de John Donne

 Com a semente anticrítica de Augusto Campos

 

 As candeias dormindo, nos deixando...

Despedindo-se de mim, de John, Augusto e da harpa

Dei um longo, apaixonado e último beijo em Izabel

E fui....

 

No dia em que eu li John Donne à luz de velas

 

 

 

 

Comentários

  1. Tríade belíssima! No dia em que eu li John Donne a luz de velas" é um poema que vou revisitar sempre.

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