HOMENAGEM À REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

 












LUZ E DIAS

- dez mini cantos –

 

I

Saudade: palavra sal

a vida por um fio

nenhum porto em Portugal

nenhuma brisa do Brasil

 

II

Olhar de porto

luz de cais

ávido parto

bêbado aporto

...

um náufrago a mais

 

III

Tarde, ensolarada tarde

coberta de cinzas

e mármore

 morte quente

 vida fria

vertente de ânsia que arde

 

IV

Azar & sal

sonhos embalsamados

fastos à liberdade

- aos vinhos, aos fados -

viva a revolução dos cravos!

 

V

Mulher airada

dama da noite

no gris dos becos

teu ceio é lume

teus olhos são elos

 

VI

Lisboa - Lisbon

líticas paisagens

Casablanca

livre passagem

pelo Algarve

 

VII

Lá se vai o sol

por trás das águas

lá se vão os dias

tanto mar

quanta nostalgia

 

 

VIII

Terra à vista

fim das águas

o dia não nos vence

a noite não nos apaga

 

IX

Versos na parreira

tetas ao vento

- terremoto -

uma fogueira

um luar

um alento

 

 

X

Morena do Minho

de pelos negros

- em ondas longas -

A luz do teu sorriso

me mostra o caminho

 

Ewaldo Schleder

 

 ALGUM CHEIRINHO DE ALECRIM

(dedicado a revolução dos cravos Portugal)

 

A rua dança

grândola vila morena

terra da fraternidade

na chuva de cravos

 

chibata nos fascista

prisões sem portas

músicos

poetas

gente de todas as artes

irrigam a liberdade

cantam a primavera

 

(sem lápide

cruz

ou cravos

todos os lusitanos

todos os africanos

choram

um soldado morto

na família)

 

viravolta de cravos

um amigo a cada esquina

fuzis cravejados

a cara da igualdade

fuzis engatilhados

a fascista polícia política

 

há léguas a nos separar

fado

fala

samba

cravo

o último fascista

tanto mar

tanto mar

 

manda novamente

algum cheirinho de alecrim

 

Jorge Amâncio

 

GRÂNDOLA DESASSOMBRADA

 

Deste frio (e seco) planalto

– tão vazado de azuis –

avisto (do lado de cá)

a gaivota do fim do mundo

 

Em seu dorso antigo

– aérea barca de luz –

plumas ainda trinam

passos em uníssono

marcha em ondas

     compassada

cantiga de Abril

 

Por entre estes ventos acre-doces

em nós o silvo da meia-noite

chamamento resoluto

madrugada aberta em chamas

Grândola desassombrada

 

Não, não mais a noite escura

          não mais o tumulto contido

                            a insônia pousada

                                   em cada rosto

                     em cada muro

pulso agora estira o grito

flor explode da haste

aplauso irrompe pátrio

 

E sob a ave altaneira

(em seu voo comovido)

a copa do salgueiro

vermelho trêmulo

cravo há tanto colhido

 

Luciana Barreto


LITANIA UNIVERSAL A JORGE

 

Jorge da Capadócia

foi para a Palestina

Depois para o Brasil e virou jorgeogum

 

orixá ogum saltou

dos seus 7 tronos sagrados

esqueceu o exército,

a  cabeça decapitada

e me emprestou as suas vestes de guerreiro

sua couraça,

sua espada

e seu escudo

 

desceu comigo ao morro

para dançar um samba-enredo P

“ eu andarei vestida e armada com vossas armas

para que meus inimigos tendo pés não me alcancem...”

 

De um polo a outro: Ogun e Iansã

Soprem o ar elemental

apague o fogo da catedral de notre dame,

salve Luzia no museu da Língua Portuguesa

(em 2015 , no Brasil, 200 anos  foram destruídos em um dia)

70 mil espécimes em cinzas no Instituto butantan!

O fogo no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo!

Chamas no Auditório do Memorial da América Latina!

 

Ogum yê, sopre o ar

 

Dois séculos de história e literatura queimados na Cidade do Cabo

Ogum Yê,

afaste-nos de uma história universal

da destruição de livros e de museus

 

Das tabletas de argila a manuscritos de peles e papiros, pergaminhos, códices, aos livros digitais,

a musa Mnemósine foi carbonizada

 

Ogum Yê

“ andaremos vestidos e armados com vossas armas

para que nossos inimigos tendo pés não nos alcancem,

 tendo mãos não nos peguem,

tendo olhos não nos enxerguem

nem enxerguem os escritos sagrados ou profanos

ou encontrem às bibliotecas ocultas

 

que todos os nazifacismos

 nem em pensamentos possam nos fazer mal.

Antes engoliremos livros para alimentar as nossas entranhas

e ter a boca doce como o mel

 

Ogum Yê

eu andarei vestida e armada com livros e códices secretos

para que meus inimigos tendo pés não me alcancem,

tendo mãos não  condenem Urbano Tavares Rodrigues, 

Miguel TorgaAlves Redol,

Natália Correia, Herberto Hélder,

Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira ...

 

Salve Jorge da Capadócia

Salve José Saramago;

Ogunhê, patacori Ogum,

a biblioteca publica de Los Angeles salvou Charles Bukowsky

de algumas misérias humanas

 

Ogunhê , patacori Ogum,

 livre-nos do imperador shi huandi, de  akhnaton, livra-nos de nero, joviano, gêngis khan e seus soldados incendiários,

livre-nos de diego de landa que torturou, matou índios e queimou livros

Livre-nos de anthony comstock, inquisidor nos Estados Unidos

Livre-nos de hitler que deu carta branca a Goebbels para queimar livros e matar judeus

 

Depositarei cravos vermelhos, crista-de-galo nos túmulos dos livros

Regarei, a licor de gengibre, todos os espectros de bibliotecas e museus

e gritarei os livros que nunca li.

 

Ogunhê, patacori Ogum,

livre-nos do Farenheit 451 brasileiro, que no momento não é uma ficção!

Livre-nos de todos os regimes ditatoriais incendiários

 

 O livrocídio

- esse é o dragão a ser combatido -

 

Ogunhê sopre o ar!...

 

Marli Fróes

 

 

 

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